por Ângela Pais, in Jornal Nordeste, nº 1417 de 09 de janeiro de 2024, p. 6-7.
Convento de Balsamão já acolheu cerca de 140 refugiados e migrantes de várias partes do mundo, sendo uma ponte para uma vida melhor
As curvas e contracurvas para conseguir chegar ao topo Convento de Balsamão, no concelho de Macedo de Cavaleiros, podem simbolizar o caminho vertiginoso de quem agora ali mora. São mais de 20 refugiados e migrantes que se viram obrigados a deixar o seu país à procura de uma vida melhor ou até para fugir à guerra.
Tudo começou em Abril de 2022, quando o convento abriu portas para acolher um grupo de refugiados. O padre Eduardo Novo, director do espaço, estendeu os braços àquele que depois se veio a tornar uma estrutura de acolhimento temporário. Já passaram por ali cerca de 140 pessoas de várias partes do mundo, como Nigéria, Marrocos, Nepal, Índia, Argélia, Paquistão, Bangladesh.
Ali já chegou a nascer um bebé, de uma família que é agora independente, mas que não esquece a ajuda.
O Convento de Balsamão pode ser assim visto como um ponto de viragem na vida de muitos, como é o caso de Adeleke Abesin. É um dos refugiados que vive na estrutura. Tem 29 anos e é da Nigéria. No entanto, estava a estudar na Ucrânia quando o país entrou em guerra e foi obrigado a abandoná-lo.
Conta que antes de chegar a Portugal, há seis meses, ainda esteve na Polónia. Com os amigos chegou a Balsamão, onde continua a ter aulas online para acabar o curso de Medicina. “O futuro aqui parece-me bem. Estou a estudar medicina e agora aguardo para fazer o exame final”, disse.
O objectivo é ficar por Portugal, onde quer ser médico. Aqui disse ter encontrado pessoas “muito boas” e comida também.
Comunica com os restantes em inglês, embora um pouco difícil de entender, mas já sabe dizer algumas palavras em português, como “obrigada” e “comida”.
Já Lúcia Alves é migrante. Natural de Timor-Leste, veio com o marido à procura de uma vida melhor. “Vim para Portugal porque preciso de arranjar trabalho para sustentar a minha família”, contou.
Tem 23 anos e um problema de saúde impossibilita-a de trabalhar, uma vez que está a fazer um tratamento. Ainda assim, realçou estar a gostar de viver no convento. “Estou muito contente e tenho muito orgulho, porque eu aprendo muito aqui. Aprendi a fazer comida portuguesa, aprendi português e história de Portugal”, disse.
Já vive ali há oito meses e confessa que é difícil não ter emprego, mas comida “não falta” e Balsamão também já é a sua “casa”.
Acolhimento, integração e independência
O Padre Eduardo Novo explicou que o processo de acolhimento passa por várias fazes, desde o receber, proporcionando “bem-estar”, “carinho” e “afecto”, à oferta de formação, na “execução das tarefas, responsabilização e compromisso”, mas também na aprendizagem do português e depois na procura de emprego e no acompanhamento depois de saírem dali.
“Tem sido uma experiência muito interessante, sobretudo de dar oportunidade, de ajudar a transformar vidas, vidas que vêm à procura de melhores condições de vida e que nós aqui queremos ser este foco, que possamos ajudar a acolher”, frisou.
Por ali passam pessoas de diferentes países e, inevitavelmente, também diferentes culturas e religiões.
Sendo ministro da Igreja Católica, Eduardo Novo admitiu que o contacto com diferentes religiões é “interessantíssimo”. “É interessante este conjugar de vidas, com o mesmo olhar, de felicidade, que todos buscamos e é isso que Deus quer. Temos acolhido desde muçulmanos, a hindus, a cristãos. Obviamente que há diferenças culturais que se manifestam. Temos também essa sensibilidade. Por exemplo, um hindu não como carne de vaca às terças-feiras, um muçulmano não come porco, portanto, houve também a necessidade de nos adaptarmos a estas realidades”, contou, acrescentando que a adaptação foi fácil e que a missão é formar “uma só família”, para um “mundo cada vez melhor”.
Mas nem tudo é perfeito. Uma das grandes dificuldades é a comunicação. Poucos ou nenhuns sabem falar português, por isso, o inglês e o francês são a salvação.
Ainda assim, aos poucos vão aprendendo a língua de Camões, uma vez que têm aulas de português todos os dias, mas também de História e Geografia.
A coordenadora desta estrutura temporária de acolhimento reconhece que todos os dias é um “desafio constante”, até porque ali se cruzam pessoas de variadíssimas culturas. Além do obstáculo da língua, Susana Magalhães conta que nem sempre é fácil “educar e formar pessoas” adultas. As regras são transmitidas “repetidamente”.
A responsável contou que muitos não sabiam usar os talheres, nem fazer a cama. Coisas básicas na cultura portuguesa, que são difíceis de assimilar para quem vem de fora. “Não sabiam usar um aspirador, não sabiam que o detergente da louça é diferente do que usa para limpar o pó, também não sabiam como fazer uma cama”, disse.
Outro dos problemas passa pela saúde. Susana Magalhães adiantou que há problemas de saúde oral, falta de vacinas e uso indevido de medicamento. A documentação é também um entrave. “Para os refugiados a documentação é muito ágil, a tramitação é muito mais fácil, mas nos migrantes tem sido um sacrifício enorme, porque os agendamentos com o antigo SEF estão super atrasados, há documentação que não chega”, adiantou.
A juntar-se a todas estas dificuldades está a de arranjar emprego. “É muito difícil arranjar trabalho para estas pessoas, pelo estigma que já se tem. Tivemos o caso de dois jovens marroquinos que tentaram encontrar em Bragança uma casa e pediram-lhe seis meses de caução. Isto significa que as pessoas não querem alugar a imigrantes”.
Assim, está já na calha um projecto para a criação de uma empresa que dê trabalho remunerado a estas pessoas, por exemplo, na limpeza das ruas ou até na criação de uma gelataria no Azibo.