Pe. João Carlos Roma Leite Rodrigues, MIC
A Unidade Pastoral é o “campo de intervenção” onde se realiza a Igreja local da Diocese de Bragança-Miranda. Já passaram quase dez anos desde o início do processo de reorganização pastoral da Diocese em Unidades Pastorais (24 de junho de 2012). Começou-se então com 40 unidades pastorais e, depois de um caminho de vários reajustamentos graduais, contam-se agora 18 Unidades Pastorais que reúnem um total de 545 comunidades cristãs numa extensão de 6608 km2 de área geográfica com uma população residente de 122.833 habitantes, segundo o último censo de 2021.
Segundo a definição de D. José Cordeiro, “cada Unidade Pastoral é um conjunto de paróquias vizinhas reunidas para formar o quadro mais apropriado para a realização do trabalho pastoral num determinado território”[1]. Temos de ter presente que a criação das Unidades Pastorais na nossa Diocese adveio não só como uma resposta reativa ao enorme desafio que as circunstâncias sociais nos provocam, dada a escassez de sacerdotes e o “inverno demográfico” da nossa região de Trás-os-Montes, mas também como uma tentativa proativa de reformar as estruturas pastorais para um estilo de comunhão e corresponsabilidade para a vivência da fé cristã, no intuito de fomentar iniciativas de encontro e de proximidade para o anúncio da alegria do Evangelho.
Por um lado, constatamos que as nossas aldeias estão cada vez mais despovoadas e envelhecidas, o que favorece a frustração pastoral. Já não é mais possível sustentar o modelo de um pároco para cada paróquia, tanto pelo motivo da desproporcionalidade entre o número de padres no ativo e o número de paróquias existentes, como também por causa da carência de recursos humanos e financeiros da maior parte das comunidades que ainda se designam por paróquias (na verdade, são raras as paróquias da nossa Diocese que cumprem os requisitos mínimos litúrgico-pastorais e socioeconómicos para se poderem intitular devidamente como tal). Por outro lado, verificamos que o modelo de confiar a um único pároco o serviço pastoral de várias paróquias dispersas e isoladas atingiu hoje os seus limites de razoabilidade. É impossível que um sacerdote seja pároco de uma vastidão de paróquias sem arruinar a curto prazo a sua saúde física, psíquica e espiritual, para além de deteriorar a longo prazo o sentido da fé (sensus fidei) e o sentimento de pertença à Igreja (sentire cum Ecclesia) dos paroquianos.
O ativismo desenfreado exigido por uma pastoral de mera manutenção de missas e outros atos de culto acaba sempre por desembocar num cansaço interior que corrói o dinamismo apostólico. Note-se que este cansaço é mais interior do que exterior, pois não se trata da fadiga feliz que se sente quando se dá a vida pelos outros na missão, mas sim da ansiedade gravosa que surge quando se anda a correr a contrarrelógio de um lado para o outro só para assegurar uma espécie de “consumismo espiritual”, que leva a prestar mais atenção à prática religiosa e ao cumprimento do preceito do que às pessoas concretas que se congregam em comunidade para celebrar a fé. Face à evidência destas dificuldades é urgente caminhar juntos em unidade pastoral rumo à comunhão fraterna das comunidades cristãs, “em ordem a uma autêntica pastoral de conjunto, sobretudo no anúncio do Evangelho, na celebração da liturgia e na diaconia da caridade”[2], procurando uma intensa e profunda complementaridade entre padres, diáconos, ministros extraordinários da comunhão, leitores, acólitos, catequistas, membros das comissões fabriqueira, mordomos das festas religiosas, e outros leigos que de uma forma ou de outra colaboram na pastoral da sua comunidade cristã.
- CONVERSÃO PASTORAL E MISSIONÁRIA RUMO À COMUNHÃO FRATERNA DAS COMUNIDADES CRISTÃS
É urgente avançar no caminho de uma conversão pessoal e comunitária para uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como ainda estão nesta Igreja local. Neste momento estamos a viver em toda a Igreja uma nova etapa de evangelização, um tempo de renovação missionária que exige uma mudança de mentalidade que mexe com todas as estruturas e com muitos hábitos e costumes adquiridos que precisam de uma conversão pastoral em chave missionária[3]. Já não nos serve uma simples “pastoral de conservação” que além de ser extremamente cansativa já não regenera a fé e, muitas vezes, até a deteriora e degenera na mesquinhez[4]. Por isso, é preciso criatividade pastoral para aprendermos uma nova maneira de ser e de estar na Igreja[5], para que o serviço pastoral da Igreja seja uma resposta autêntica às esperanças e às angústias das pessoas concretas do mundo de hoje, e ainda capaz de interpelar e incomodar as novas gerações. Talvez tenhamos de “aprender a desaprender”, como bem recomenda D. José Cordeiro, citando um célebre poema de Fernando Pessoa[6]. Temos de “desaprender os labirintos, as teias, os modelos que nos sufocam e apenas servem para nos fazer adiar o encontro tão necessário com Deus, com os outros, com a terra e com a história e connosco próprios”[7]. Não se pretende de modo nenhum reinventar uma nova visão de Igreja, mas é necessário redescobrir a beleza do mistério da Igreja enquanto comunhão[8], é preciso despertar para uma nova consciência eclesial de “comunidade evangelizada e evangelizadora”[9], imersa no amor da Santíssima Trindade “para que todo o género humano forme um só Povo de Deus, se una num só corpo de Cristo, e se edifique num só templo do Espírito Santo: o qual ao restabelecer a concórdia fraterna, vem precisamente ao encontro das aspirações mais íntimas de todos os homens”[10].
A reorganização da Igreja diocesana em Unidades Pastorais é uma resposta criativa aos desafios dos sinais dos tempos, é uma tentativa corajosa para transformar as dificuldades em oportunidades. Acreditamos que Deus está a querer dizer-nos alguma coisa através das dificuldades pastorais que enfrentamos: temos de descobrir novos caminhos de participação ativa e de colaboração pastoral entre bispos, padres, diáconos, religiosos e religiosas, missionários e leigos, homens e mulheres de boa vontade, de todas as idades e de todas as condições sociais. A Unidade Pastoral é uma tentativa de superar a lógica insustentável de um padre que faz tudo para todos para abrir uma lógica mais dinâmica e eclesial na comunhão do nós padres com alguns colaboradores para todos[11].
- A UNIDADE PASTORAL ENQUANTO COMUNHÃO DE COMUNIDADES
A reorganização de uma diocese em unidades pastorais, obviamente, não pode ter a presunção de ser a solução das múltiplas problemáticas pastorais do momento presente, mas a unidade pastoral não pode ser somente reduzida a uma denominação nova para realidades pastorais já existentes. A denominação “unidade pastoral” define efetivamente uma forma de organização pastoral da diocese que exprime uma nova relação entre os fiéis e o território, sendo que a finalidade desta reestruturação pastoral deve promover na comunidade cristã a vocação comum à evangelização, “em vista de um cuidado pastoral do Povo de Deus mais eficaz, no qual o fator chave não pode ser outro que a proximidade”[12].
É importante sublinhar que no coração das unidades pastorais vive e trabalha a dimensão de comunhão da Igreja, e é para fomentar a comunhão fraterna que se cria uma unidade pastoral num território concreto, tendo o mais possível em consideração a homogeneidade da população e dos seus costumes, para facilitar a relação de proximidade entre os párocos e os outros agentes pastorais[13].
Com efeito, convém relembrar os três critérios fundamentais para a constituição das unidades pastorais[14]:
- critério da homogeneidade pastoral: a área territorial de uma unidade pastoral deve ser delimitada de modo homogéneo, também do ponto de vista sociológico;
- critério da pastoral de conjunto: as paróquias envolvidas numa unidade pastoral devem fomentar a comunhão fraterna numa pastoral conjunta e unitária e devem realizar uma autêntica corresponsabilidade integral e integrada, ou seja, envolvendo os vários agentes pastorais num projeto pastoral comum e partilhado e inserindo as atividades pastorais de cada paróquia no campo mais vasto da ação pastoral comum, não só valorizando as iniciativas de cada paróquia, mas também fomentando iniciativas corajosas que favoreçam o sentido da unidade pastoral;
- critério da solicitude pastoral por cada comunidade: o(s) pároco(s) e os agentes pastorais devem esforçar-se seriamente que sejam garantidos de modo eficaz os serviços pastorais de cada uma das comunidades presentes no território da unidade pastoral, promovendo a organização do serviço pastoral sem esquecer que cada comunidade, mesmo pequena, tem direito a um autêntico e eficaz serviço pastoral.
Por conseguinte, levando em consideração as dimensões da diocese e da concreta realidade pastoral de cada território, podem-se dar três modalidades diversificadas de reorganização de paróquias em unidade pastoral, “para que possa ser realizada uma verdadeira pastoral orgânica ou integrada, em prospetiva missionária”[15]:
- Um pároco com uma equipa pastoral para várias paróquias numa pastoral de conjunto. Neste caso, a cura pastoral de várias paróquias é confiada a um pároco[16], que deve avivar o sentido de unidade pastoral nessas distintas paróquias a si confiadas, promovendo a colaboração efetiva e afetiva entre os agentes pastorais dessas paróquias, que hão de formar uma equipa pastoral para a ação evangelizadora.
- Dois ou mais párocos in solidum com uma equipa pastoral para várias paróquias numa pastoral de conjunto. Neste caso, a cura pastoral de várias paróquias é confiada solidariamente a vários sacerdotes, sendo um deles o moderador, o qual orienta a ação conjunta, e desta é responsável perante o Bispo[17]. Este modelo de unidade pastoral faz sobressair o mistério da comunhão presbiteral, que deve motivar os párocos in solidum não só a desenvolver a ação pastoral em equipa, mas também a cultivar a vida comum e a fraternidade sacerdotal, celebrando revezadamente a vida sacramental nas diversas comunidades e organizando em conjunto com a equipa pastoral a ação evangelizadora da unidade pastoral de tal modo que a missão seja sinal eficaz de comunhão[18].
- Vários agrupamentos de paróquias (cada um com o seu próprio pároco (ou párocos in solidum) e com a sua própria equipa pastoral) reunidos em zonas pastorais numa pastoral de conjunto. Neste caso, as assim chamadas “zonas pastorais” funcionam como subunidades pastorais[19], que cooperam entre si de uma forma, por assim dizer, “federada”, exercendo uma ação pastoral comum e adotando uma prática unitária para determinados âmbitos pastorais (por exemplo, para a catequese, para a celebração dos sacramentos, dos funerais e de outras celebrações litúrgicas, para o atendimento de cartório, para o serviço sociocaritativo, para a pastoral vocacional, juvenil e familiar, etc). Nesta situação, convém que o Bispo diocesano indique um pároco para ser o moderador da unidade pastoral e recomenda-se a elaboração de um compromisso pastoral comum para que os diversos agentes pastorais (presbíteros, diáconos, religiosos e leigos empenhados) possam realizar melhor as funções que lhes competem num sentido de comunhão e corresponsabilidade. Este modelo de unidade pastoral requer um fortalecimento da consciência eclesial, fomentando a unidade das distintas “zonas pastorais” na harmonia das diferentes vocações e dos diversos carismas, ministérios e serviços.
De considerar que dentro das diversas modalidades de unidade pastoral pode-se sempre ponderar a possibilidade de designar alguns sacerdotes para uma “pastoral de setor” (pastoral familiar, pastoral vocacional e juvenil, pastoral catequética da infância e da adolescência, pastoral da saúde, pastoral da cultura, pastoral sociocaritativa, pastoral da reconciliação, etc) que seja transversal às várias paróquias que constituem uma determinada unidade pastoral ou até mesmo às várias unidades pastorais que constituem um determinado arciprestado. Estes presbíteros designados para uma pastoral de setor comportar-se-iam de forma análoga aos vigários paroquiais que podem ser constituídos para de dedicarem à execução de um determinado ministério em diversas paróquias ao mesmo tempo[20], como, por exemplo, um padre de experiência espiritual que pode ser nomeado confessor ordinário das diversas paróquias de uma unidade pastoral ou um padre que pode ser nomeado responsável pela pastoral da saúde em todo o arciprestado.
É importante sublinhar que a nova forma de organização da diocese em unidades pastorais não pretende ser uma superação da paróquia, que “permanece uma instituição imprescindível para o encontro e a relação viva com Cristo e com os irmãos na fé” [21]. Todavia, o reagrupamento de paróquias em unidades pastorais tem claramente a intenção de sair do regime de autossuficiência e de autorreferencialidade, que várias paróquias têm assumido ao longo dos últimos tempos. O modelo de uma paróquia autossuficiente centrada e fechada num pároco já passou e já não volta mais.
Mesmo nas dioceses onde se consegue colocar um pároco em cada paróquia, nem os padres fazem tudo nem as paróquias vivem isoladas umas das outras. Pelo contrário, os párocos são rodeados de colaboradores leigos que os auxiliam nas suas funções e as paróquias têm um compromisso pastoral comum com muitas iniciativas interparoquiais que favorecem uma pastoral de conjunto. Com efeito, a resistência da parte de alguns padres relativamente às unidades pastorais tem mais que ver com o medo de perder o protagonismo pessoal do que com o receio de falta de solicitude pastoral. De modo semelhante, as queixas de algumas comunidades paroquiais em relação à perda da identidade própria no âmbito da unidade pastoral referem-se mais à dor pela perda do seu estatuto privilegiado em comparação com as paróquias vizinhas do que ao enfraquecimento do sentido de pertença eclesial.
Neste sentido, vale a pena mostrar algumas imagens desfocadas ou mesmo deturpadas da “unidade pastoral”[22] e que estão na base da falta de afeto a esta nova realidade da ação evangelizadora da Igreja:
- UP – Agência de serviços – a unidade pastoral é vista como uma espécie de agência de prestação de serviços ou supermercado religioso, em que os padres são vistos como funcionários do culto e os fiéis como clientes ou consumidores do sagrado; algumas comunidades e alguns fiéis reivindicam mais serviços religiosos, porque podem pagar mais numa atitude materialista e outros reclamam por mais direitos de uma maneira sindicalista.
- UP – Arquipélago com ilhas solitárias – a unidade pastoral é vista como um arquipélago, em que cada uma das paróquias constitui uma ilha fechada sobre si mesma; todas as paróquias caminham por linhas paralelas, sem um espírito de comunhão e sem uma pastoral de conjunto.
- UP – Feudo isolado – a unidade pastoral é vista como uma espécie de arciprestado ou diocese em miniatura, em que o pároco moderador é o único soberano e onde se ignora completamente a relação da comunhão pastoral com os outros presbíteros da unidade pastoral, do arciprestado e da diocese.
- UP – Organização Empresarial – cada uma das paróquias é vista como uma firma filial da grande empresa que é a Diocese e que atua através das Unidades Pastorais como sucursais que tratam da gestão e da administração de um conjunto de paróquias; nesta visão as paróquias rivalizam umas com as outras na busca de melhores resultados pastorais e a unidade pastoral é vista como uma instituição meramente burocrática, sem sentido de pertença.
- UP – Geringonça – a unidade pastoral é uma espécie de coligação defeituosa com uma estrutura frágil e um funcionamento precário; as paróquias estão coligadas entre si através de um acordo forçado a fim de se manter a estabilidade pastoral, mas cada uma só pensa em si e nos seus próprios interesses pastorais, não tendo uma vontade séria de construir a comunhão.
- A DINÂMICA DA COMUNHÃO COMO IMPULSO DE RENOVAÇÃO PASTORAL
Só se pode apreender corretamente a importância da unidade pastoral se olharmos para ela como uma dinâmica de comunhão eclesial que pretende ajudar as paróquias a fazer o seu caminho de renovação pastoral, possibilitando “explorar com criatividade estradas e instrumentos novos, que as consintam de estar à altura do seu compromisso primário, isto é, ser o centro propulsor da evangelização”[23].
Nesta ótica, para fazer transparecer mais claramente a comunhão na unidade pastoral é preciso empreender uma autêntica renovação pastoral nas diversas dimensões da evangelização:
- Renovação pastoral no anúncio da Palavra e na Catequese – surge aqui a necessidade de promover a tal nova evangelização que deve ser nova no seu ardor, nos seus métodos e na sua expressão. É necessário procurar novas formas de comunicação pastoral numa linguagem existencial que permitam a transmissão da alegria do Evangelho por meio de palavras e gestos capazes de contagiar esse fascínio que brota da experiência vivencial da fé. Neste sentido, seria bom promover com frequência na unidade pastoral ações de formação permanente não só para os agentes pastorais, mas também para todos os leigos jovens e adultos sedentos de aprofundar a sua fé, no desejo sincero de compartilhar a descoberta desse caminho da vida verdadeira, que é Jesus Cristo, o Evangelho em pessoa.
- Renovação pastoral na celebração litúrgica dos mistérios da fé – aquilo que torna a Igreja evangelizadora é a força da oração e a celebração litúrgica dos mistérios da fé, especialmente, a celebração eucarística. A Eucaristia é a fonte donde dimana a força evangelizante da Igreja e simultaneamente a meta para onde converge todo o seu empenho de evangelização. É na Eucaristia que discernimos os caminhos da Igreja em cada tempo e em cada circunstância[24]. É preciso estar aberto a “novas expressões celebrativas que tenham em conta não só a efetividade sacramental dos ritos litúrgicos, mas também a afetividade mística da vivência litúrgica da fé”[25]. Portanto, é urgente estancar o ativismo das missas à pressa em prol da beleza litúrgica da missa que deve ser um momento fidedigno de concelebração da fé da Igreja: “Não será o tempo de menos Missas e melhor Missa, após da experiência de Missas sem povo e do povo sem Missa?”[26].
- Renovação pastoral no serviço da caridade – o serviço humilde e desinteressado da caridade é a forma mais bela, mais atraente e mais credível para anunciar o Evangelho[27]. É preciso buscar na unidade pastoral novas maneiras de serviço sociocaritativo, respondendo ao desafio de uma nova fantasia da caridade, que deve ser marcada por gestos de ajuda que sejam sentidos como partilha fraterna[28]. Nesse intuito há que valorizar as iniciativas de solidariedade social que praticam a caridade na verdade, mostrando a sua utilidade e indispensabilidade para a construção de uma boa sociedade e de um verdadeiro desenvolvimento humano integral[29].
- Renovação pastoral no testemunho cristão na sociedade civil – a relação da comunidade cristã com o mundo deve esforçar-se pela construção de pontes que permitam o encontro e o diálogo entre a cultura e a fé, de tal modo que o testemunho de fraternidade cristã favoreça na sociedade civil a colaboração mútua entre instituições ao serviço da dignidade da pessoa humana e do bem comum. O compromisso cristão na sociedade civil deve impulsionar novas formas de serviço à cultura, à política, à economia, à família, à saúde, à ecologia, à justiça e à paz. Por isso, faz todo o sentido fomentar na unidade pastoral uma amizade social que integre a todos, sem aceção de crentes ou não crentes, praticantes ou não praticantes, empenhados ou afastados, defensores ou criticantes, reconhecendo cada um como um irmão ou irmã e estabelecendo laços de união com cada um para gerar processos socias de fraternidade para todos[30].
- Renovação pastoral nos órgãos de corresponsabilidade – a dinâmica da comunhão implica a sinergia entre os diversos carismas, ministérios e funções na vida da unidade pastoral enquanto comunidade de comunidades. Inevitavelmente, este dinamismo de comunhão requer uma “pastoral orgânica” que, por conseguinte, há de implicar uma reconfiguração dos organismos administrativos paroquiais através de um novo modelo de corresponsabilidade integrada e integral: “Trata-se dum agir pastoral que, através de uma efetiva e vital colaboração entre presbíteros, diáconos, consagrados e leigos e entre diversas comunidades paroquiais de uma mesma área ou região, preocupa-se de esmiuçar em conjunto as questões, as dificuldades e os desafios concernentes à evangelização, procurando integrar estradas, instrumentos, propostas e meios idóneos para afrontá-las”[31]. Na teoria, isto quer dizer que a reorganização das paróquias em unidade pastoral favorece o desenvolvimento da participação ativa e da colaboração responsável dos diáconos, religiosos e leigos em conjunto com os padres na edificação da comunidade cristã; na prática, isto quer dizer que é possível partilhar e poupar recursos humanos e materiais, reequilibrando o trabalho pastoral e valorizando os vários ministérios. A aplicação desta pastoral orgânica que integra os órgãos de corresponsabilidade de cada paróquia dentro do campo mais vasto da unidade pastoral e envolve os vários agentes pastorais num projeto pastoral comum tem inúmeras consequências práticas que podem ser decisivas para a renovação da instituição paroquial:
- A constituição de um único Conselho Pastoral da Unidade (CPU), “para fomentar a atividade pastoral, manifestando a corresponsabilidade de quantos constituem as comunidades da Unidade na ação apostólica das mesmas”[32]: deste modo, sublinha-se melhor o sentido teológico do Conselho Pastoral, que está inscrito na realidade constitutiva da Igreja enquanto Corpo de Cristo e gera uma espiritualidade de comunhão[33];
- A formação de uma Equipa Pastoral que deve ser não tanto um órgão consultivo, mas sobretudo um órgão instigante que imagina e lança iniciativas novas e corajosas para concretizar o projeto pastoral comum e amadurecer o sentido de pertença à Unidade Pastoral[34];
- A centralização de uma Secretaria da Unidade Pastoral num único edifício com a colaboração de leigos (em regime de voluntariado gratificado e/ou em regime de contrato) para o tratamento da burocracia adjacente aos processos de batismo, casamento e funerais, ao serviço da liturgia, catequese e da caridade, num único atendimento de cartório interparoquial;
- A constituição de uma Comissão para a administração do fundo económico da Unidade Pastoral que diligenciará para a manutenção das estruturas materiais da Casa Pastoral e do Cartório Pastoral, para a remuneração dos agentes pastorais e para a efetivação das iniciativas pastorais conjuntas, sendo que cada comunidade terá a sua própria “Comissão Fabriqueira” e cada paróquia singular manterá o seu próprio Conselho para os assuntos económicos, uma vez que conserva a sua personalidade e capacidade jurídica[35] (o fundo económico da Unidade Pastoral funcionaria à semelhança do fundo económico do Arciprestado[36], sendo que a(s) conta(s) bancária(s) poderiam até ficar em nome do Arciprestado (já que este possui personalidade jurídica ao invés da Unidade Pastoral) ou então em nome da Paróquia de referência, onde por exemplo se situa a Casa Pastoral e/ou o Cartório interparoquial);
- A designação de uma Igreja Mãe da Unidade Pastoral, que seria o ponto de referência e de convergência das várias comunidades da mesma forma que deve acontecer com a igreja matriz de uma comunidade paroquial com as igrejas anexas (o que raramente acontece na Diocese de Bragança-Miranda, apesar do fator histórico); esta convergência pastoral numa Igreja que fosse naturalmente assumida como um lugar acolhedor para celebrar a Eucaristia e como um espaço facilitador de evangelização e de convívio fraterno colocaria em ação aquele “dinamismo de saída”[37] que, através da colaboração entre as diversas comunidades e uma reforçada comunhão entre os diversos agentes pastorais, transformaria cada paróquia singular da Unidade Pastoral numa “paróquia em saída” efetivamente orientada para a missão e afetivamente comprometida a combater o imobilismo ou a preocupante repetibilidade pastoral[38]; uma alternativa à Igreja Mãe poderia ser a designação de alguns lugares de culto como centros de convergência pastoral que congregariam diversas comunidades paroquiais numa determinada zona pastoral (os santuários são lugares de culto que facilmente se tornam pontos de confluência e de irradiação pastoral com grande potencial evangelizador[39];
- A constituição de um único serviço de Catequese na Unidade Pastoral com a flexibilidade de centralizar as crianças num único itinerário catequético e de descentralizar alguns catequistas para acompanhar a catequese intermitente de algumas crianças dispersas pelas comunidades;
- A constituição de uma equipa de pastoral litúrgica da Unidade Pastoral capaz de valorizar as competências de alguns agentes pastorais e de respeitar as sensibilidades específicas de cada comunidade: assim as comunidades mais pequenas e com menos recursos humanos receberiam mais apoio através de uma permuta de funções e ministérios litúrgicos;
- A sinergia entre as várias IPSS’s da Unidade Pastoral, pondo em rede os múltiplos recursos disponíveis, partilhando valências e respostas sociais e agilizando a administração burocrática das diferentes estruturas.
Todavia, há que ter sempre em conta que antes de concretizar reformas pastorais é preciso promover uma espiritualidade de comunhão[40] que não se canse jamais de optar pela fraternidade[41], adotando os processos possíveis para a harmonia pastoral[42].
[1] Decreto nº 14/2012: As Unidades Pastorais na Diocese de Bragança-Miranda (24-06-2012), n. 2 c in DIOCESE DE BRAGANÇA-MIRANDA, Estatutos, Normas e Diretivas, Bragança: Domus Ecclesiae 2015, p. 182.
[2] Ibidem, n. 3 a.
[3] «A conversão pastoral é um dos temas fundamentais na “nova etapa da evangelização” que a Igreja é chamada hoje a promover, para que as comunidades cristãs tornem-se cada vez mais centros propulsores do encontro com Cristo». CONGREGAÇÃO PARA O CLERO, Instrução A conversão pastoral da comunidade paroquial a serviço da missão evangelizadora da Igreja (29-06-2020), n. 3. [A seguir A conversão pastoral da comunidade paroquial].
[4] Cf. FRANCISCO, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (24-11-2013), n. 83.
[5] «O Papa Francisco, no início do seu ministério, recordou a importância da “criatividade”, que significa “procurar novas estradas”, ou seja, “procurar a estrada para que o Evangelho seja anunciado”.» A conversão pastoral da comunidade paroquial, n. 1.
[6] “O essencial é saber ver, / (…) / Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!), / Isso exige um estudo profundo, / Uma aprendizagem de desaprender…” (13-03-1914) “O Guardador de Rebanhos”, XXIV in Poemas de Alberto Caeiro, Lisboa: Ática 1946 (10ª edição 1993), p. 50.
[7] Nota Pastoral conclusiva da Visita Pastoral Um povo com chão e com céu §9 (24-07-2016) in Para Mostrar os Mistérios de Cristo, Um diário da Visita Pastoral 2012-2016, Bragança: Domus Ecclesiae 2017, p. 307.
[8] “A Igreja em Cristo é como que o sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano”. CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Lumen Gentium, n. 1.
[9] PAULO VI, Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi (08-12-1975), n. 13.
[10] CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Ad gentes (07-12-1965), n. 7.
[11] Cf. José CORDEIRO, Homilia na missa crismal de 17 de abril de 2014: Unidades Pastorais, topografia da vocação, comunhão e missão, n. 1, 8 in: Idem, Caroço de cereja, Bragança: Domus Ecclesiae 2021, p. 28.
[12] A conversão pastoral da comunidade paroquial, n. 44.
[13] Cf. Ibidem, n. 45.
[14] CONGREGAÇÃO PARA OS BISPOS, Diretório para o ministério pastoral dos bispos Apostolorum sucessores (22-02-2004), n. 215, b. [A seguir Apostolorum sucessores].
[15] A conversão pastoral da comunidade paroquial, n. 55. Cf. também Ibidem, nn. 56-60.
[16] Cf. CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO, cân. 526, §1.
[17] Cf. Idem, cân. 517, §1.
[18] “A esse respeito, recorda-se o fundamental valor do espírito de comunhão, da oração e da ação pastoral comum da parte dos clérigos, em vista ao efetivo testemunho de fraternidade sacramental e de uma mais eficaz ação evangelizadora”. A conversão pastoral da comunidade paroquial, n. 63.
[19] De acordo com a terminologia da Instrução acima citada, que aborda com alguma profundidade o tema das várias tipologias de reagrupamentos de paróquias, a denominação “zona pastoral” refere-se especificamente a um agrupamento de arciprestados, pelo que seria mais correto utilizar a denominação “subunidade pastoral” para designar a realidade que comummente na Diocese de Bragança-Miranda se chama de “zona pastoral”. Cf. Ibidem, n. 61.
[20] Cf. CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO, cân. 545, §2.
[21] A conversão pastoral da comunidade paroquial, n. 122.
[22] A inspiração de algumas destas imagens encontra-se em ANTÓNIO MARTO, Carta Pastoral Ir ao coração da Igreja, Comunhão e corresponsabilidade na comunidade cristã (28-08-2009), pp. 12-14.
[23] A conversão pastoral da comunidade paroquial, n. 122.
[24] Cf. JOSÉ POLICARPO, Carta Pastoral Nova Evangelização, Um desafio pastoral (14-09-2010), n. 12.
[25] JOÃO CARLOS RODRIGUES, Uma nova maneira de ser Igreja: evangelizada e evangelizadora, aberta à novidade de Deus e dos homens in Misericórdia de Deus e Nova Evangelização, Fátima: MIC 2013, p. 118.
[26] JOSÉ CORDEIRO, Homilia na missa crismal de 22 de maio de 2020: Pastores, discípulos eucarísticos permanentes, n. 2 in: Idem, Caroço de cereja, Bragança: Domus Ecclesiae 2021, p. 67.
[27] Cf. ANTÓNIO MARTO, Carta Pastoral Chamados à Caridade (28-08-2010), cap. 3.
[28] Cf. JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Novo Millennio Inneunte (06-01-2001), n. 50.
[29] Cf. BENTO XVI, Carta Encíclica Caritas in veritate (29-06-2009), n. 4.
[30] Cf. FRANCISCO, Carta Encíclica Fratelli Tutti (03-10-2020), n. 180.
[31] A conversão pastoral da comunidade paroquial, n. 123.
[32] José CORDEIRO, Decreto nº 19/2012: Estatuto-base do Conselho Pastoral da Unidade, art. 1º, in: DIOCESE DE BRAGANÇA-MIRANDA, Estatutos, Normas e Diretivas, Bragança: Domus Ecclesiae 2015, p. 99.
[33] Cf. A conversão pastoral da comunidade paroquial, n. 109.
[34] De modo análogo às Equipas Pastorais descritas em Apostolorum sucessores, n. 215, c.
[35] Cf. A conversão pastoral da comunidade paroquial, n. 59.
[36] Cf. José CORDEIRO, Estatutos do Arciprestado e Colégio dos Arciprestes, art. 21º, in: DIOCESE DE BRAGANÇA-MIRANDA, Estatutos, Normas e Diretivas, Bragança: Domus Ecclesiae 2015, p. 79.
[37] Cf. FRANCISCO, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24-11-2013), n. 20.
[38] Cf. A conversão pastoral da comunidade paroquial, n. 123.
[39] Cf. FRANCISCO, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24-11-2013), n. 124.
[40] Cf. JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Novo Millennio Inneunte (06-01-2001), n. 43.
[41] Cf. FRANCISCO, Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24-11-2013), n. 91.
[42] Para avançar nesta construção de uma harmonia pastoral vale a pena aplicar os quatro princípios que o Papa Francisco aponta como um verdadeiro caminho para o bem comum e a paz social, a saber: o tempo é superior ao espaço; a unidade prevalece sobre o conflito; a realidade é mais importante do que a ideia; o todo é superior à parte. Cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium (24-11-2013), nn. 217-237.