Teologia do Sacramento do Batismo – Sacramento da regeneração pela água e pala Palavra

Pe. João Carlos Roma Leite Rodrigues, MIC

 

Na linha da tradição do magistério da Igreja, o Catecismo da Igreja Católica afirma que “o Batismo pode definir-se como o sacramento da regeneração pela água e pela Palavra[1]. A partir desta definição clássica é possível esboçar uma síntese da teologia do sacramento do Batismo.

 

  1. Que é um sacramento?

Em primeiro lugar, é preciso esclarecer o que é um sacramento. A palavra sacramento tem origem no termo latino sacramentum, cujo significado literal é instrumento sagrado (sacra = sagrado e mentum=meio, modo), quer dizer, o modo sagrado ou a maneira sagrada de assumir um compromisso. Na Roma antiga, este termo sacramentum era empregado para designar o juramento solene pelo qual os soldados se comprometiam a servir fielmente o Estado, sob a invocação das divindades protetoras de Roma. Mais tarde, os padres latinos irão empregar este mesmo termo para traduzir o termo grego mystêrion, não no sentido de misterioso ou secreto, mas sim no sentido de inefável, grandioso, incompreensível, para designar o sinal de uma coisa sagrada[2].

 

  1. Os sacramentos são sinais sagrados na medida em que são sinais que se referem às realidades divinas, isto é, sinais visíveis da graça invisível. Segundo a definição clássica de Santo Agostinho, “um sinal é toda a coisa, que além da impressão que produz em nossos sentidos, faz que nos venha ao pensamento concomitantemente outra ideia distinta[3]. Os sacramentos pertencem à categoria dos sinais, porquanto nos mostram exteriormente, através de gestos e palavras, aquilo que Cristo opera interiormente no santuário da alma humana, pelo Seu poder invisível. Por conseguinte, convém enfatizar que os sacramentos são sinais muito extraordinários, porque não só representam a graça, mas produzem a graça que representam: os sacramentos causam significando e realizam o que representam. Deste modo, podemos verificar que os sacramentos não são atos isolados e instantâneos, mas sim uma ação complexa e dinâmica que se prepara com tempo e se desenvolve no tempo e evoca várias realidades espirituais ao mesmo tempo.

 

  1. Os sacramentos são sinais da graça, e, segundo São Tomás de Aquino, são-no de três maneiras[4]: significam a origem da graça, que é o Mistério Pascal de Cristo; significam igualmente o fim da graça, que é a vida eterna; e significam a própria graça, que é a vida divina participada pelo ser humano, na medida das diversas necessidades da sua vida espiritual. Cada sacramento é sinal da sua graça própria, isto é, dá a graça modificando-a conforme os ritos que lhe dão a sua personalidade insubstituível. Note-se, no entanto, que a graça sacramental é a mesma graça santificante comum a todos os sacramentos, mas robustecida de potências especiais para os fins próprios de cada sacramento.

 

  1. Os sacramentos são mistérios da fé. Mais uma vez, convém frisar que quando falamos em mistério não estamos a falar em algo secreto, ocultista ou enigmático, mas sim em algo inefável, grandioso e maravilhoso. Os sacramentos são sinais ao mesmo tempo que são mistérios. Enquanto sinais são ações humanas visíveis e inteligíveis, que se desenrolam por meio de gestos rituais muito concretos e através de palavras exatas. Não obstante, os sacramentos manifestam uma atividade divina que produz efeitos misteriosos, que nos ultrapassam totalmente e que se não deixam reduzir a fórmulas. Por isso, dizemos que os sacramentos são sinais da fé, porquanto quem se aproxima deles vai movido pela fé: os sacramentos supõem a fé, fortalecem a fé e trasnmitem a fé. Cada sacramento comporta necessariamente uma profissão de fé, porque cada sacramento é uma resposta do ser humano a um apelo de Deus, ou melhor, é esse mesmo diálogo entre Deus e o homem, é esse próprio encontro entre o desejo inexaurível de Deus que “quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tim 2,4) e o desejo do ser humano que não descansa enquanto não repousar em Deus[5]. É precisamente por ser um sinal da fé que o sacramento requer pelo menos uma centelha mínima de fé. E se por um lado é preciso evitar que o sacramento seja uma “ficção” no sentido em que se fundamenta numa mentira daquele que professa uma fé que na verdade não possui (por exemplo, os pais que pedem o Batismo dos filhos à Igreja apenas para obedecer a um costume social), por outro lado, há que ter em conta que a fé requerida não é uma fé perfeita, mas uma fé inicial, por mais mesclada que esteja de motivos humanos (por exemplo, a fé requerida para o Batismo é mais o pedido de fé do que a própria fé, pois, em rigor, no Batismo não se pergunta aos catecúmenos ou a seus pais e padrinhos: «Tendes fé?», mas sim: «Que pedis à Igreja de Deus?» e a resposta é: «A fé», aquela fé que é dom de Deus e que se obtém pelo Batismo juntamente com a graça santificante e todas as demais virtudes que são infundidas na alma do batizado pelo poder do Espírito Santo. Além disso, convém precisar que as criancinhas, incapazes de fé, são batizadas na fé da Igreja. É, sim, a fé da Igreja, que os pais e os padrinhos são perguntados a professar diante do celebrante e da comunidade cristã presente na celebração.

 

  1. Os sacramentos são sinais da Igreja, no duplo sentido de que são sinais que pertencem à Igreja e se celebram na Igreja. Não há sacramentos sem Igreja nem Igreja sem sacramentos. Os sacramentos são celebrados na fé da Igreja e, por conseguinte, embora o fim último de cada sacramento seja a salvação de cada pessoa humana, nenhum sacramento é verdadeiramente individual, porque é sempre um sacramento “pela Igreja” e “para a Igreja”[6]. Os sacramentos são “para a Igreja”, porque são os sacramentos que fazem a Igreja, enquanto manifestam aos homens o mistério de Deus e exprimem visivelmente a Igreja como “sinal da íntima união do homem com Deus e dos homens entre si[7]. Os sacramentos são “pela Igreja”, porque a Igreja é como que o sacramento do Corpo de Cristo que continua a agir na Igreja pelo poder do Espírito Santo.

 

  1. Os sacramentos são atos de Cristo, ou melhor, “forças que saem” do Corpo de Cristo sempre vivo e vivificante: ações do Espírito de Cristo Ressuscitado que opera no seu corpo que é a Igreja. Ao afirmarmos que os sacramentos são atos de Cristo estamos a dizer que Cristo atua pessoalmente em cada um dos sacramentos que se celebram. Assim sendo, os sacramentos não são atos do sacerdote que ele pode realizar em virtude de um poder recebido no dia da sua ordenação. Por isso se insiste tanto em sublinhar que o sacerdote celebra os sacramentos, mais do que os “distribui” à maneira de um farmacêutico que tira os medicamentos da prateleira a pedido dos clientes e mais do que os “outorga” à semelhança de um funcionário administrativo que despacha um requerimento a um contribuinte que preencheu corretamente um impresso. É Cristo quem opera em todos os sacramentos (logo é Cristo quem batiza em cada Batismo). O sacerdote age in persona Christi, isto é, exerce visivelmente o sacerdócio de Cristo, Único Sacerdote, agora invisível, mas sempre atuante. Através dos sacramentos, estamos em contacto com Cristo vivificante de tal modo que é Cristo vivo e em pessoa que nos toca e a quem nós tocamos nos sacramentos (cf. Mc 5,25-34).

 

  1. O banho da regeneração dos filhos de Deus

O Batismo é o primeiro dos sacramentos, enquanto é a porta que dá acesso aos outros sacramentos, mas também enquanto é o fundamento de toda a vida cristã[8], isto é, “o sacramento sobre o qual se fundamenta a nossa própria fé e que nos insere como membros vivos em Cristo e na sua Igreja[9]. O Batismo é a porta de entrada que permite a Cristo entrar dentro do nosso íntimo para fazer morada na nossa pessoa e para nos mergulhar no Seu Mistério Pascal[10].

O termo «Batismo» provém do verbo grego baptizeis e que significa “mergulhar”, “imergir”. A imersão (mergulhar na água) é precisamente o rito central com que se realiza o Batismo (ou melhor, com que se realizava, pois hoje raramente se realiza por imersão, mas mais por infusão, segundo o nosso costume local de derramar água, por três vezes, sobre a cabeça daquele que está a ser batizado). A imersão na água tem um significado profundamente teológico na medida em que simboliza “a sepultura do catecúmeno na morte de Cristo, de onde sai pela ressurreição com Ele como nova criatura (2 Cor 5,17; Gal 6,15)”[11]. A imersão na água simboliza o banho da regeneração dos filhos de Deus, aludindo assim àquele novo nascimento da água e do Espírito que Cristo propôs a todos os seres humanos para terem a vida eterna (Jo 3,5; Tt 3,5) e também ao mistério da Paixão de Cristo que amou a Igreja até ao extremo, entregando-se por ela, santificando-a no banho da água e purificando-a pela palavra, para apresentá-la esplêndida, como Igreja sem mancha nem ruga, santa e imaculada (cf. Ef 5,26-27). Com efeito, o Batismo, enquanto banho de água acompanhado da palavra da vida, limpa os batizados de toda a mancha de culpa, tanto original como pessoal e fá-los renascer em Cristo como filhos muito amados de Deus Pai, e torna-os participantes da natureza divina (cf. 2 Pe 1,4; Rom 8,15; Gal 4,5). De facto, o Batismo é um banho de purificação, porque nos limpa do velho fermento da malícia e da corrupção para sermos massa nova em Cristo, nossa Páscoa, que por nós foi imolado (1 Cor 5,7).

Pelo Batismo somos libertados do pecado e regenerados como filhos de Deus mas, além disso, somos enxertados no mistério pascal de Cristo[12]. Na verdade, os que são batizados comungam no mistério da Paixão e da Ressurreição de Cristo, passando da morte do pecado para uma vida nova: “Todos nós, que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte. Fomos sepultados com Ele pelo batismo na morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova” (Rm 6, 3-4). Deste modo, todos nós que fomos batizados somos configurados com Cristo, ou melhor, somos assimilados a Cristo, formando com Ele um só corpo (1 Cor 12,13), tornamo-nos membros do Corpo de Cristo, sendo individualmente membos uns dos outros (Rm 12,5)[13].

O Batismo é o sacramento pelo qual os seres humanos são incorporados na Igreja, edificados uns com os outros, como pedras vivas, em “morada espiritual de Deus” (cf. Ef 2,22), formando um “sacerdócio santo”, cujo fim é oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por meio de Jesus Cristo (cf. 1 Pe, 2,4): “os fiéis, incorporados na Igreja pelo Batismo, são destinados pelo carácter batismal ao culto da religião cristã e, regenerados para filhos de Deus, devem confessar diante dos homens a fé que de Deus receberam por meio da Igreja[14]. É aquilo a que se chama o sacerdócio comum dos fiéis e que se exerce justamente por meio das obras próprias do cristão: “na receção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho da santidade de vida, na abnegação e na caridade operosa[15]. Assim se vê que o Batismo é o “vínculo sacramental da unidade” que liga todos os membros da Igreja e é também o início e o exórdio de uma longa caminhada que “tende à consecução da plenitude de vida em Cristo[16], é um novo começo que nos faz esquecer daquilo que está para trás e nos lança para a frente, que nos impele a correr em direção à meta, “para o prémio a que Deus, lá do alto, nos chama em Cristo Jesus” (Fl 3,14).

 

  1. O mistério da água

O Batismo é um começo e não um fim, é uma imersão na água, mas para dela emergir, portanto é uma “nova criação”, uma passagem da morte à vida, uma travessia da escravidão para a liberdade. Neste sentido, podemos compreender qual é então o significado da água no Batismo e porque é que se batiza precisamente com água. Na liturgia da Vigília Pascal, aquando da bênção da água baptismal, faz-se uma memória solene dos grandes acontecimentos da história da Salvação que prefuguravam já o mistério do Batismo[17]:

  1. A Criação do mundo

Logo no princípio do mundo, o Espírito de Deus pairava sobre as águas, como que fecundando-a, para que já desde então concebessem o poder de santificar (cf. Gn 1,1-2). Estão aqui reunidos já dois dos elementos essenciais do Batismo: a água e o Espírito que a fecunda. Na conversa com Nicodemos, Jesus irá também evocar a água e o Espírito referindo-se à necessidade de nascer de novo para entrar no reino de Deus (Jo 3,5). Assim, podemos concluir que utiliza-se a água no Batismo porque é o sacramento de um nascimento novo que nos abre as portas para entrar no reino de Deus.

 

  1. O Dilúvio e a Arca de Noé

O trecho bíblico sobre o Dilúvio e a arca de Noé (cf. Gn 6-8) irá precisar o modo como se realiza este nascimento. As águas do Dilúvio são uma imagem do Batismo, porque significam ao mesmo tempo o fim do pecado e o princípio da santidade. A água é aqui portadora de morte: Deus irrita-se contra a criação corrompida e decide destruí-la sepultando-a nas águas. Porém, a água é simultaneamente portadora de vida, porque a partir do Dilúvio, Deus cria um mundo novo, uma humanidade nova, a partir de “um pequeno grupo, ao todo oito pessoas, que foram salvas pela água” (1 Pe 3,20). A Arca de Noé é uma prefiguração da salvação pelo Batismo. Também aqui vemos a água, que destrói o pecado e restaura a vida, e o Espírito, aqui figurado pela pomba, que voltaremos a encontrar no batismo de Jesus no Jordão, como manifestação da presença do Espírito Santo.

 

  1. A travessia do Mar Vermelho

O terceiro acontecimento salvífico evocado na oração da bênão da água batismal é a travessia do Mar Vermelho (cf. Ex 14,15-30), “verdadeira libertação de Israel da escravidão do Egito, que anuncia a libertação operada pelo Baptismo[18]. Também aqui a água é ao mesmo tempo portadora de morte e de vida, mortífera para o faraó e os seus cavaleiros tragados pelas ondas do mar; vivificante para os escravos hebreus, que, atravessando a pé enxuto o Mar Vermelho, são libertados da escravidão e da idolatria da terra do Egito e são cosntituídos num novo povo, o povo santo de Deus. Também aqui, ao lado da água, está figurado o Espírito sob a forma da coluna de nuvem e de fogo que guiava o povo durante o dia e durante a noite (cf. Ex 13,21).

 

  1. A travessia do Jordão

Finalmente, o Batismo é prefigurado na travessia do Jordão, que é a fronteira entre o deserto e a Terra Prometida. Nesta última travessia, o povo de Deus, guiado já não por Moisés, mas por Josué, recebe o dom da Terra Prometida a Abraão e à sua descendência (cf. Js 3,1-4,24). Josué é aqui figura de Jesus, que concede ao povo santo dos batizados a herança da vida eterna.

 

Aliás, todas as prefigurações do Batismo evocadas no Antigo Testamento encontram a sua realização plena em Jesus Cristo, que é o grande modelo do Batismo. Todavia, Jesus Cristo é também o grande modelo do Batismo, porque Ele próprio se quis submeter voluntariamente ao batismo de João, destinado aos pecadores, para cumprir toda a justiça. Obviamente, ele não tinha necessidade de ser purificado, mas a Sua descida às águas do Jordão foi uma manifestação do seu “aniquilamento” (cf. Fl 2,7)[19], cujos efeitos recolhemos no nosso batismo. Doutro modo, a sua subida das águas do Jordão foi uma revelação da condescendência de Deus, que proclamou solenemente Jesus como o Seu Filho muito amado, e também uma manifestação do Espírito Santo, que desceu sobre Jesus, em figura de pomba , como imagem da unção e da consagração do Messias para o seu ministério. Com efeito, pelo Batismo, também nós somos chamados, e somos de verdade, filhos de Deus e também nós somos ungidos pela força do Espírito Santo para que permaneçamos eternamente membros de Cristo sacerdote, profeta e rei.

Contudo, o Batismo de Jesus no Jordão é apenas anúncio e figura do nosso batismo. O Batismo cristão não é o batismo penitencial de João. Jesus Cristo é o verdadeitro autor do Batismo, porque foi ele que confiou esta missão à Igreja, quando mandou aos Apóstolos, depois da Sua ressurreição: “Ide e ensinai todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). Jesus Cristo instituiu o Batismo após a Sua morte e ressurreição: “Foi na sua Páscoa que Cristo abriu a todos os homens as fontes do Batismo[20]. De facto, o próprio Jesus já tinha falado da sua paixão, que ia sofrer em Jerusalém, como dum «batismo» com que devia ser batizado: “Tenho de receber um batismo, e que angústias as minhas até que ele se realize!” (Lc 12,50). À luz do mistério Pascal, vemos que o batismo é, pois, morte e vida, morte e ressurreição: a imersão na água reproduz a morte e a sepultura de Cristo, a emersão da água reproduz a Sua ressurreição gloriosa. As águas do batismo de Cristo são simultaneamente túmulo e seio maternal[21]. O Batismo não só nos resgata do poder do pecado, do mal e da morte, mas também nos dá a vida nova da filiação divina. Jesus Cristo amou-nos até ao extremo de dar a vida por nós.

Jesus Cristo é o Bom Pastor que veio para dar a vida pelas suas ovelhas: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Não é por acaso que a imagem do Bom Pastor foi uma das primeiras imagens utilizadas para representar a pessoa de Jesus Cristo e aparecia muitas vezes figurada nos batistérios, porque é uma imagem teológica que evoca as “pastagens verdejantes” nas quais o bom Pastor reúne num só rebanho todas as suas ovelhas dispersas para as conduzir até ao manancial da vida, donde jorram as águas vivas que refrescam a alma de todos os sedentos de vida eterna (Ez 34,11-16; Sl 22,1-3; Jo 4,1; Jo 7,37; Ap 21,6; 22,17).

E já que falamos em água viva a jorrar para a vida eterna, convém sublinhar igualmente a pedagogia batismal do episódio bíblico do encontro de Jesus com a Samaritana (Jo 4,5-42). Como é sabido, esta passagem bíblica é utilizada no 3º domingo da Quaresma, no contexto do primeiro escrutínio do catecumenado dos adultos. O caminho de fé da Samaritana pode e deve ler-se à luz do paradigma da iniciação cristã, que começa sempre pela iniciativa de Jesus, que vem Ele mesmo ao nosso encontro para despertar o desejo de Deus no nosso coração e para nos conduzir por um caminho de conversão, que, sucessivamente, nos purifica do pecado pelas águas do Batismo, nos ilumina o entendimento com a Luz do Evangelho e nos consagra com a unção do Espírito Santo, que nos impele à contemplação e à ação, tornando-nos verdadeiros adoradores do Pai Misericordioso e autênticos protagonistas da missão evangelizadora da Igreja. Segundo uma antiga tradição oriental, a Samaritana chamava-se Fotina, que à letra sigifica “ Iluminada” ou “Portadora de luz”, o que alude à graça santificante que ela recebeu durante o encontro com Jesus, junto ao poço de Sicar, e também ao testemunho de santidade com que ela despertou nos outros o desejo de fé em Jesus Cristo. Segundo o martirológio romano, a memória de Santa Fotina, samaritana, celebra-se a 20 de março, juntamente com os seus filhos José e Vítor que receberam a coroa do martírio por causa da sua fé cristã. De acordo com a tradição ortodoxa, ela foi martirizada em Roma, cerca do ano de 66, no tempo do Imperador Nero[22]. Existe também uma interessante lenda espanhola, segundo a qual a filha de Nero, Domnina, se converteu a Cristo e pediu o Batismo após um encontro com a Samaritana[23]. Não é de estranhar portanto que os primeiros cristãos gostassem de pintar motivos desta cena evangélica nas paredes das catacumbas para ilustrar simbolicamente o sacramento do Batismo. É que esta cena riquíssima nos faz ver que o Batismo não é estático, mas dinâmico, é um percurso que nos “mostra como quem recebeu a vida nova do encontro com Jesus, por sua vez não pode deixar de se tornar anunciador de verdade e de esperança para os outros[24].

 

  1. A mistagogia da celebração do Batismo

Como bem afirma o Bispo da Diocese de Bragança-Miranda na sua Nota Pastoral para o Ano do Batismo, “ninguém nasce cristãos, torna-se cristão pelo Batismo, a fonte de todas as vocações[25]. Tornar-se cristão requer um caminho e uma iniciação com diversas etapas. O Concílio Vaticano II restaurou o catecumenado dos adultos que contempla uma série de ritos preparatórios, que desembocam na celebração única dos três sacramentos da iniciação cristã: Batismo, Confirmação e Eucaristia. Porém, o Rito do Batismo das crianças também integra, de um modo abreviado, as etapas preliminares da iniciação cristã.

Os ritos pré-batismais evocam o período do catecumenato e os ritos explicativos batimais depois do Batismo chamam a atenção para a necessidade de um catecumenato pós-batismal, que não se trata apenas da necessidade da catequese posterior ao Batismo, mas do desenvolvimento necessário da graça batismal no crescimento da pessoa batizada[26]. Para completar a verdade do sacramento é necessário que as crianças sejam educadas na fé em que foram batizadas e o fundamento desta formação será o próprio sacramento que receberam[27], pois “o sentido e a graça do sacramento do Batismo aparecem claramente nos ritos da sua celebração”[28], de tal forma que seguindo atentamente os gestos e as palavras da celebração do sacramento do Batismo estamos a ser conduzidos para dentro do mistério deste sacramento e iniciados nas riquezas que este sacramento realiza em cada novo batizado.

 

  1. Acolhimento e sinal da cruz

O Batismo é o sacramento da entrada. O rito começa pelo acolhimento da criança. Se possível, este acolhimento deve iniciar-se fora da igreja, ou, ao menos, junto da porta de entrada, pois trata-se precisamente de apresentar a criança à Igreja e de introduzi-la dentro do edifício da igreja, que representa a Igreja feita de pedras vivas, que a caridade fraterna cimenta à pedra angular que é Cristo. Só ao sair do batismo é que a criança entra Igreja propriamente dita, mas este rito do acolhimento chama já à atenção que a criança não batizada está a entrar na casa de Deus para ter parte com Cristo, para entrar em comunhão com Cristo, para se tornar membro do Corpo de Cristo que é a Igreja. E é por isso que o Batismo se deve celebrar habitualmente na pia batismal da igreja paroquial, “para se ver mais claramente que o Batismo é o sacramento da fé da Igreja e da agregação ao povo de Deus[29]. O acolhimento faz-se com uma palavra de saudação inicial que o celebrante dirige sobretudo aos pais e aos padrinhos, partilhando com eles a alegria pelo dom da vida da criança que eles desejam introduzir na fé da Igreja por meio do sacramento do Batismo. Depois de dizerem o nome que escolheram para o filho, os pais pedem publicamente à Igreja que o filho seja batizado e os padrinhos assumem o compromisso de ajudar os pais na missão de educar a criança na fé da Igreja. O ato de pronunciar solenemente o nome no rito do acolhimento também tem um sentido teológico, pois nos recorda que o nome dos batizados são inscritos por Deus no “Livro da Vida” (cf. Ap 21,27). Ainda no âmbito do acolhimento, o celebrante assinala a fronte da criança com o sinal da cruz, para manifestar a marca de Cristo impressa naquele que vai passar a pertencer-Lhe, e para significar a graça da redenção que Cristo nos adquiriu pela sua cruz[30]. Foi pela cruz que Cristo venceu o pecado, a morte e o Demónio. O sinal da cruz é o sinal da vitória. Depois da Páscoa de Cristo, a cruz já não é mais um instrumento de dor e de condenação, o tal escândalo para os judeus e loucura para os pagãos (1 Cor 1,23). Para os cristãos a cruz é instrumento de triunfo e troféu de vitória. O sinal da Cruz é o sinal de Cristo Salvador.

 

  1. Anúncio da Palavra de Deus

A celebração da Palavra de Deus tem por finalidade suscitar a resposta da fé dos pais e padrinhos. De modo particular, o Batismo é o sacramento da fé (cf. Mc 16,16), uma vez que é a entrada sacramental na vida da fé da Igreja. Na linha de Santo Agostinho, podemos afirmar que assim como os pais emprestam os braços e os pés aos seus filhos para os levar ao batistério e emprestam-lhes a boca para responder às perguntas do ministro da Igreja, assim também lhes emprestam a sua fé para que as crianças sejam batizadas na fé da Igreja[31]. Daí a importância do anúncio da Palavra de Deus para despertar a fé dos pais e padrinhos e das pessoas presentes na celebração, pois “a fé surge pela pregação, e a pregação surge pela Palavra de Cristo” (Rm 10,17) e, portanto, na celebração do Batismo há que proclamar a Palavra de Deus, insistindo oportuna e inoportunamente, aconselhando com toda a paciência (cf. 2 Tm 4,2), de sorte que se acenda no coração dos pais e padrinhos ao menos uma centelha mínima de fé.

 

 

  1. Oração de exorcismo e unção com o óleo dos catecúmenos

Depois da oração dos fiéis e terminadas as invocações dos Santos, que ainda fazem parte da celebração da Palavra, segue-se a oração de exorcismo. A presença desta oração de exorcismo na cerimónia do Batismo das crianças pode parecer nos dias de hoje um tanto quanto rocambólico, pois pronunciar exorcismos sobre um adulto convertido ainda é mais ou menos aceitável para a mentalidade hodierna, mas sobre uma criança recém-nascida é no mínimo desconcertante. Contudo a Igreja manteve a oração de exorcismo no rito do Batismo das Crianças, mesmo após a revisão levada a cabo após o Concílico Vaticano II. Os exorcismos do ritual do Batismo ensinam-nos que o demónio não é apenas um símbolo do mal, ele é realmente o autor do mal e o pai da mentira. O Papa Francisco alertou-nos recentemente para isso, afirmando que o diabo é mais do que um mito, uma representação, um símbolo, uma figura ou uma ideia, é antes um poder maligno, um ser pessoal que nos atormenta: “A convicção de que este poder maligno está no meio de nós é precisamente aquilo que nos permite compreender, porque, às vezes, o mal tem uma força destruidora tão grande[32]. Para o cristianismo, o mal é mais do que uma simples ausência de ser ou uma simples falha moral: é uma realidade cósmica que atinge todos os elementos deste mundo, porque Deus enviou o seu Filho ao mundo para expulsar de nós o poder de Satanás, para nos arrebatar das trevas para o reino admirável da Sua luz. É por isso que a Igreja pede humildemente a Deus para que as crianças ainda não batizadas sejam libertadas da manhcha da culpa original e fortalecidas pelo poder de Cristo Salvador, de modo que se tornem morada do Espírito Santo e templo da glória divina. O exorcismo pré-batismal é justamente concluído pela unção com o óleo dos catecúmenos no peito da criança, unção esta que é sinal do poder de Cristo Salvador que entra dentro do nosso coração para expulsar de nós o poder do espírito do mal, como outrora desceu aos infernos para vencer definitivamente o império de Satanás. O rito da unção com o óleo dos catecúmenos no peito desnudado, que precede a entrada no batistério, significa que o Batismo é um combate, uma luta séria com o Demónio. Na Roma antiga, os lutadores desnudavam-se antes do combate e eram ungidos com azeite para que o corpo se tornasse mais forte e flexível, para terem movimentos mais livres e para escorregarem melhor dos assaltos do adversário. É este exatamente o significado da unção com o óleo dos catecúmenos e que é implicitamente expresso na oração de bênção feita pelo Bispo na missa crismal, na manhã de Quinta-feira Santa, o qual pede a Deus que se digne conceder a fortaleza aos catecúmenos a fim de que defrontem com grandeza de ânimo os trabalhos da vida cristã. Depois de ungir, com o óleo dos catecúmenos, o sinal da cruz no peito da criança, o celebrante pode (e deve) impor as mãos sobre a criança para significar precisamente que aquela criança pertence a Cristo, que a arrancou do poder de Satanás e doravante a guarda e defende como coisa e propriedade sua: a unção com o óleo dos catecúmenos é como um selo que é sinal do senhorio de Deus, ou melhor, é como uma tatuagem a dizer: “Tu és meu filho, eu hoje te gerei” (Sl 2,7).

 

  1. Bênção e Invocação sobre a água, Renunciação e Profissão de Fé

Em seguida, o celebrante convida os pais e padrinhos com a criança para se dirigirem até ao batistério e assim que chegarem à pia batismal, o celebrante recorda aos presentes o desígnio admirável de Deus que quis santificar, pela água, a alma e o corpo do ser humano. A água é então benzida no momento, e caso se disponha da água batismal consagrada na Vigília Pascal (o que é de todo recomendável), deve fazer-se igualmente a invocação de Deus sobre a água já benzida para que não falte ao Batismo o elemento da ação de graças e de súplica. É pois diante da pia batismal e perante a água santificada que os pais e os padrinhos são desafiados a renunciar ao pecado e às seduções do Maligno e a professar a fé na Santíssima Trindade. À tríplice renúncia a Satanás, às suas obras e às suas seduções vai corresponder a tríplice profissão de fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo, que é a fé da Igreja, na qual as crianças são batizadas.

 

  1. O Batismo propriamente dito

Segue-se o rito essencial do sacramento do Batismo, que consiste em mergulhar por três vezes a criança na água batismal, ou mais comummente, em derramar por três vezes a água batismal na cabeça da criança, pronunciando a invocação da Santíssima Trindade, isto é, dizendo «Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Já sabemos que o rito da imersão na água significa que o Batismo é um mergulho no mistério pascal de Cristo, que morrendo destruiu a morte e ressuscitando restaurou a vida. Porém, importa ainda insistir sobre esta configuração com Cristo. O Batismo permite a Cristo viver em nós e permite-nos a nós viver unidos a Cristo. Pelo Batismo ficamos ligados a Cristo como os sarmentos à videira (Jo 15,5). Jesus Cristo, o Filho Unigénito de Deus, veio ao mundo para fazer de nós outros filhos de Deus, tornando-Se assim o primogénito de muitos irmãos (Rm 8,29). O Batismo faz-nos filhos no Filho. Pelo Batismo, Jesus Cristo dá-nos o poder de nos tornarmos filhos de Deus (Jo 1,12), pois o Batismo é um novo nascimento, não pela carne e pelo sangue, mas pela água e pelo Espírito Santo, um nascimento que nos introduz numa vida nova: a vida eterna que é a participação na vida de Deus, ou, se preferirmos, a vida intratrinitária, isto é, a vida de intimidade com as Três Pessoas da Santíssima Trindade: “Cristo ressuscitou, destruindo a morte com a própria morte, e deu-nos a vida, para que, tornados filhos no Filho, exclamemos no Espírito: Abba, Pai[33].

 

  1. Unção com o óleo do crisma

Logo após o batismo propriamente dito, o celebrante unge o recém-batizado, no alto da cabeça, com o santo crisma. A unção do crisma manifesta pois que o batizado se tornou cristão, ou seja, identificado e configurado com Cristo: “quem recebeu o Batismo é ‘cristificado’, assemelha-se a Cristo, tranforma-se em Cristo, torna-se realmente um outro Cristo[34]. A unção do santo crisma após o batismo significa pois que o cristão é incorporado em Cristo, tornando-se participante da dignidade e da missão profética, sacerdotal e real de Cristo. A este propósito da configuração com Cristo, é de sublinhar que o Baptismo marca o cristão com um selo espiritual indelével (“charactere”) da sua pertença a Cristo[35]. Esta marca não é apagada por nenhum pecado, embora o pecado impeça o Baptismo de produzir frutos de salvação. E é por causa de imprimir carácter, que o Batismo é ministrado uma vez por todas, não podendo ser repetido. O carácter batismal capacita e compromete os cristãos a servir a Deus mediante uma participação viva na santa liturgia da Igreja, e a exercer o sacerdócio comum dos fiéis pelo testemunho duma vida santa e duma caridade operosa. O selo do Senhor é o selo com que o Espírito Santo nos marcou para a vida eterna. Permanecendo fiéis às promessas do batismo até à morte, partimos deste mundo “marcados pelo sinal da fé” na expectativa da ressurreição gloriosa e da visão beatífica de Deus[36]. Não pensemos que é o rito da unção do santo crisma que imprime o carácter batismal na alma do batizado. O carácter é conferido no rito do Batismo propriamente dito, mas esta unção com o santo crisma é um rito explicativo que manifesta que o batizado é marcado com o selo do Senhor.

 

  1. Imposição da veste branca

Outro rito explicativo é a imposição da veste branca, cuja alvura não evoca apenas a pureza da alma, lavada da mancha de culpa original, mas simboliza também que o batizado agora é uma nova criatura e está revestido de Cristo (Gl 3,27). Esta veste branca recorda a veste brilhante com que Cristo se manifestou aos seus discípulos na Transfiguração (cf. Lc 9,29). O Batismo é, portanto, uma transformação interior. Pelo Batismo, o ser humano despoja-se da velha mortalha do pecado para se revestir das vestes brancas de Cristo Ressuscitado (cf. Ap 3,5; 6,11; 7,14), ou seja, despe-se do homem velho, corrompido pelo pecado para se deixar renovar pela transformação do Espírito Santo, para passar à condição de homem novo, criado em conformidade com Deus, na justiça e na santidade (cf. Ef 4,23-24; Col 3,10): “Por isso, se alguém está em Cristo, é uma nova criação. O que era antigo passou; ei-lo feito novo!” (2 Cor, 5,17). Esta veste branca é pois símbolo da dignidade cristã que se recebe pela graça do Batismo.

 

  1. Entrega da vela acesa

Após a imposição da veste branca, segue-se o rito da entrega da vela acesa no Círio Pascal que simboliza a luz que Cristo acende na alma do neófito[37]. Ao entregar a vela acesa ao pai ou ao padrinho do recém-batizado, o celebrante diz: “Recebei a luz de Cristo”, confiando aos pais e padrinos o encargo de velar por essa luz, para que aquela criancinha, iluminada por Cristo, persevere na fé e quando o Senhor vier possa ir ao seu encontro com todos os Santos no reino dos Céus. É uma alusão às virgens prudentes da parábola das Dez Virgens (cf. Mt 25,1-13), que entraram no banquete nupcial, porque tiveram o cuidado de conservar acesas as suas lâmpadas até à chegada tardia do Esposo. Esta vela acesa simboliza, portanto, a perseverança do batizado até à volta de Cristo. A vela que se entrega a cada batizado é acesa precisamente no Círio Pascal, sinal de Cristo Ressuscitado que, pelo poder da sua ressurreição gloriosa, dissipou as trevas de todo o mundo e iluminou o género humano com a sua luz e a sua paz (cf. Precónio Pascal). Assim se compreende melhor porque é que os antigos Padres da Igreja chamavam o Batismo de iluminação, porque aqueles que recebem o Batismo não só ficam com o espírito iluminado, mas tornam-se também “filhos da luz” (1 Tes 5,5; Ef 5,8), em Cristo Ressuscitado, a Luz verdadeira que ilumina todo o ser humano (Jo 1,9; Jo 8,12). Tornam-se eles mesmos “luz do mundo” e “sal da terra”, de tal modo que todos os que vêem as suas boas obras são levados a compreender mais plenamente o “sentido genuíno da vida humana” e o “vínculo universal da comunidade humana”, bem como a glorificar o Pai que está nos céus (Mt 5,14.16)[38].

 

  1. Rito da entrega do sal e «Effetha»

Em último lugar, propõem-se dois ritos como facultativos: o rito da entrega do sal e o rito do «Effetha». O sal que dá sabor e conserva é posto na língua do recém-batizado e simboliza aqui a sabedoria daquele que vive na presença de Deus e é presságio do alimento divino e da preservação da corrupção dos vícios. A pedra de sal que se coloca na língua da criança faz lembrar também aquela passagem do Apocalipse em que Cristo promete: “Ao vencedor dar-lhe-ei a comer do maná escondido, dar-lhe-ei também uma pedra branca e gravado nela um nome novo que somente conhece quem o recebe” (Ap 2,17). Segue-se o rito do «Effetha»: invocando o nome do Senhor Jesus, que fez ouvir os surdos e falar os mundos, o celebrante estende a mão para a criança batizada e suplica para ela a graça de poder, em breve, ouvir a Palavra de Deus e professar a fé, para louvor e glória de Deus Pai. Antigamente, este gesto era muito mais expressivo, pois era feito no contexto dos exorcismos (e ainda assim acontece no âmbito do batizado dos adultos): o sacerdote repetia literalmente os gestos que Jesus outrora fez para curar um surdo-mudo (cf. Mc 7,32-35), tocando com um pouco de saliva os ouvidos e a língua (ou as narinas) do catecúmeno e proferindo a palavra aramaica “Effetha”, que quer dizer: “Abre-te”. Por motivos sócio-pastorais, atualmente, este gesto foi simplificado e ligeiramente modificado, mas continua a ser um rito de profundo significado teológico, que, sendo feito imediatamente antes da introdução à oração dominical, chama a atenção para a importância de introduzir aos poucos a criança recém-batizada na familiaridade com Deus.

 

  1. Oração dominical e Bênção solene

O recém-batizado é agora chamado de filho de Deus, e é-o de verdade (1 Jo 3,1). Assim, o celebrante, diante do altar, convida os pais e os padrinhos e todos os presentes a rezar, em nome da criança, a oração dos filhos de Deus: o Pai-Nosso. A introdução à oração do Pai-Nosso é uma autêntica advertência da Igreja para a necessidade pastoral duma catequese posterior ao Batismo que favoreça o desenvolvimento da graça batismal no crescimento pessoal da criança. Após o Batismo, pouco a pouco, a criança deve ser instruída na verdade do Evangelho e aproximada do altar da Eucaristia, de modo que, após o uso da razão, comece a participar plenamente da missa pela Sagrada Comunhão e uma vez amadurecida na fé da Igreja possa por si mesma ratificar a fé em que foi batizada, sendo assinalada na Confirmação com o dom do Espírito Santo, que a há de configurar mais perfeitamente a Cristo, dando testemunho d’Ele no mundo e participando afetiva e efetivamente na missão evangelizadora da Igreja. A celebração do Batismo conclui-se com a bênção solene para que a graça de Deus se derrame sobre todos os presentes para que sejam membros vivos do povo de Deus, particularmente sobre os pais, para que sejam as primeiras testemunhas da fé, pela palavra e pelo exemplo e, de modo especial, sobre as mães para que, agradecidas pelo dom do seu filho, perseverem com ele na fé, na esperança e na caridade, dando graças a Deus em Jesus Cristo, Nosso Senhor.

 

A consagração a Nossa Senhora ou a imitação de Maria, modelo da vida cristã     

Depois da bênção final, é costume consagrar a criança batizada à solicitude maternal da Santíssima Virgem Maria, pedindo-lhe auxílio e proteção na realização da vocação cristã. É um gesto bonito que exprime a devoção a Nossa Senhora, tão característica dos cristãos católicos. Mas este gesto pode tornar-se ainda mais expressivo à luz do paralelismo teológico existente entre o mistério da Imaculada Conceição e o nosso Batismo. É evidente que a Virgem Maria não recebeu o Batismo, pois, pela sua Imaculada Conceição foi preservada da mancha do pecado original em atenção aos méritos futuros da Paixão redentora do Seu Filho Jesus Cristo. A Virgem Maria recebeu a força da Redenção por antecipação e com eficácia total e imediata. A Imaculada Virgem Maria é a primícia da humanidade redimida por Cristo. O mistério da Imaculada Conceição de Maria é o mais luminoso sinal do amor misericordioso de Deus, que, antes da criação do mundo, sonhou o ser humano para ser “santo e imaculado” diante da Sua presença (Ef 1,4). Maria Imaculada, a “Cheia de Graça”, toda bela e toda pura é o modelo que nos inspira e estimula a viver a nossa sublime vocação à santidade[39]. A condição de “cheia de graça” que para Maria foi o ponto de partida, para nós batizados é a meta, pois, pelo Batismo também nós somos chamados a corresponder ao dom de Deus e a colaborar com a graça divina a exemplo dela, que cooperou perfeitamente com o plano salvífico de Deus, com plena liberdade de amor. Portanto, a Puríssima Virgem Maria é “ícone da Igreja, símbolo e antecipação da humanidade transfigurada pela graça, modelo e esperança segura para todos aqueles que dirigem os seus passos para a Jerusalém do Céu[40]. É nela que a Igreja contempla a sua mais alta perfeição, isto é, a sua realização perfeita. E assim olhamos para Maria Imaculada para lhe pedir proteção na luta contra as seduções do pecado e auxílio no nosso esforço de progredir humildemente nos degraus da santidade. Rogai por nós Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos de ser fiéis às promessas do nosso Batismo!

[1] Catecismo Romano, 2, 2, 5 citado por Catecismo da Igreja Católica, n. 1213.

[2] Cf. AGOSTINHO, Cidade de Deus, X, 5.

[3] IDEM, A doutrina cristã, 2, I, 1.

[4] O sacramento é sinal rememorativo daquilo que o precedeu, ou seja, da paixão de Cristo; e demonstrativo daquilo que em nós a paixão de Cristo realiza, ou seja, da graça; e prognóstico, quer dizer, que anuncia de antemão a glória futura». Summa Theologiae, 3, q. 60, a. 3.

[5]Apesar de tudo, o homem, pequena parcela da tua criação, quer louvar-Te. Tu próprio a isso o incitas, fazendo com que ele encontre as suas delícias no teu louvor, porque nos fizeste para Ti e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Ti”. AGOSTINHO, Confissões I, 1,1.

[6] Catecismo da Igreja Católica, n. 1118.

[7] CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Constituição Pastoral sobre a Igreja do nosso tempo, Gaudium et Spes, n. 42.

[8] Catecismo da Igreja Católica, n. 1213.

[9] FRANCISCO, Catequese sobre o sacramento do Batismo (Audiência geral, 8 de janeiro de 2014).

[10] É o primeiro dos sacramentos, enquanto é a porta que permite a Cristo Senhor tomar morada na nossa pessoa e a nós imergir no seu Mistério. IDEM, Catequese sobre o sacramento do Batismo (Audiência geral, 11 de abril de 2018).

[11] Catecismo da Igreja Católica, n. 1214.

[12]Pelo Baptismo são os homens enxertados no mistério pascal de Cristo: mortos com Ele, sepultados com Ele, com Ele ressuscitados; recebem o espírito de adopção filial que «nos faz clamar: Abba, Pai» (Rm 8,15), transformando-se assim nos verdadeiros adoradores que o Pai procura”. CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Constituição sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium, n. 6.

[13] Cf. IDEM, Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen gentium, n. 7.

[14] Ibidem, n. 11.

[15] Ibidem, n. 10.

[16] CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Constituição sobre o Ecumenismo, Unitatis redintegratio, n. 22.

[17] Cf. Catecismo da Igreja Católica, nn. 1217-1222.

[18] Ibidem, n. 1221.

[19] Cf. Ibidem, n. 1224.

[20] Ibidem, n. 1225.

[21] A este propósito, vale a pena chamar a atenção para o formato da pia batismal da maior parte das igrejas atuais que evoca o útero da mulher grávida, qual alusão ao seio maternal da Igreja que, pelo Batismo, gera novos “filhos da luz” para o mundo.

[22] O calendário grego comemora Santa Fotina ou Svetlana, a samaritana covertida por Nosso Senhor, no dia 26 de fevereiro.

[23] Cf. Georges CHEVROT, Jesus e a Samaritana, tradução de M. Vieira, Lisboa-Coimbra: Editorial Aster, Lda – Casa do Castelo Editora 1956, pp. 245-248; Cf. também Jean-Michel POFFET, Jésus et la Samaritaine (Jean 4,1-42), Paris: Éditions du Cerf 1995, p. 127.

[24] Mensagem ao Povo de Deus da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (3 de novembro de 2012), n. 1.

[25] D. José CORDEIRO, Nota Pastoral para o Ano do Batismo (7 de outubro de 2017), n. 2.

[26] Catecismo da Igreja Católica, n. 1231.

[27] Preliminares do Batismo das crianças, n. 3.

[28] Catecismo da Igreja Católica, n. 1234.

[29] Preliminares do Batismo das crianças, n. 10.

[30] Catecismo da Igreja Católica, n. 1235.

[31]Como diz Agostinho, aos pequeninos a Igreja empresta os pés dos outros para virem, o coração dos outros para crerem, a língua dos outros para confessarem. E assim, as crianças crêem não por ato próprio, mas pela fé da Igreja, que lhes é comunicada”. TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, 3, q. 69, a. 6.

[32] FRANCISCO, Exortação Apostólica sobre o chamamento à santidade no mundo atual, Gaudete et exsultate, n. 160.

[33] CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Constituição Pastoral sobre a Igreja do nosso tempo, Gaudium et Spes, n. 22.

[34] IDEM, Catequese sobre o sacramento do Batismo (Audiência geral de 11 de abril de 2018).

[35] Catecismo da Igreja Católica, n. 1272.

[36] Ibidem, n. 1274.

[37] Neófito significa à letra “nova plantação” (do grego neophytus que surge da junção de neo=novo  e phytos=planta), isto é, aquele que acabou de ser enxertado em Cristo pelo Batismo.

[38]Com efeito, todos os fiéis cristãos, onde quer que vivam, têm obrigação de manifestar, pelo exemplo da vida e pelo testemunho da palavra, o homem novo de que se revestiram pelo Batismo, e a virtude do Espírito Santo por quem na Confirmação foram robustecidos, de tal modo que os demais homens, ao verem as suas boas obras, glorifiquem o Pai e compreendam mais plenamente o sentido genuíno da vida humana e o vínculo universal da comunidade humana. CONCÍLIO ECUMÉNICO VATICANO II, Decreto sobre a atividade missionária da Igreja, Ad gentes, n. 11.

[39]A razão mais sublime da dignidade do homem consiste na sua vocação à união com Deus. É desde o começo da sua existência que o homem é convidado a dialogar com Deus: pois, se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele por amor constantemente conservado; nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e se entregar ao seu Criador”. IDEM, Constituição Pastoral sobre a Igreja do nosso tempo, Gaudium et Spes, n. 19.

[40] JOÃO PAULO II, Carta Apostólica Orientale Lumen (2 de maio de 1995), n. 6.

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