Pe. João Carlos Roma Leite Rodrigues, MIC
«O desespero apoderar-se-ia de mim,
se eu não tivesse ilimitada confiança em Vossa indizível Misericórdia.»
(Beato Jorge Matulaitis-Matulewicz, Diário Espiritual, nº 87)
Introdução: breve nota biográfica do Beato Jorge Matulaitis-Matulewicz (1871-1927), Renovador dos Marianos da Imaculada Conceição
Antes de abordar diretamente a temática da misericórdia na espiritualidade do Beato Jorge Matulaitis-Matulewicz convém esboçar uma breve nota biográfica que nos permitirá enxergar como o Renovador dos Marianos experimentou concretamente a Misericórdia de Deus na sua vida pessoal e, por conseguinte, nos irá ajudar a contextualizar o entendimento teológico-espiritual da Divina Misericórdia na sua mundividência.
Jorge Matulaitis nasceu a 13 de abril de 1871 na aldeia de Lugine, perto de Marijampole, na Lituânia, no seio de uma família de gente simples e camponesa, sendo o último de oito irmãos. Recebeu o batismo das mãos do Padre Jorge Česnas, que era então Superior Geral da Ordem dos Marianos da Imaculada Conceição, que já dava sinais de célere apagamento[1]. Com apenas três anos de idade ficou órfão de pai e, quatro anos depois, perdeu a sua mãe, ficando desde tenra idade sob os cuidados do seu irmão mais velho, que embora sendo um homem rude, o autorizou a ir à escola. O contacto com o ambiente escolar multicultural de Marijampole (onde frequentou a escola primária de 1879 a 1883 e iniciou a escola secundária de 1883 a 1886) alargou os horizontes de pensamento do pequeno Jorge que aprendeu a ler e a escrever em russo, lituano e polaco, interagindo com católicos lituanos e polacos, com alemães protestantes e com russos ortodoxos, bem como com numerosos judeus.
Aos 15 anos começou a sentir dores nos ossos que haviam de o acompanhar durante toda a vida. Por esta altura, já desejava entrar para o Seminário, mas a sua débil condição física e a falta de recursos financeiros da sua família obrigaram-no a abandonar os estudos para se dedicar a pequenos trabalhos agrícolas e pecuários, ajudando o seu irmão mais velho na medida das suas forças. Foi precisamente durante este momento penoso da sua adolescência que Jorge Matulaitis experimentou um grande milagre da Misericórdia de Deus: no Verão de 1889, passou de visita pela sua aldeia natal um seu primo, João Matulewicz, professor de línguas clássicas em Kielce, na Polónia, o qual, tendo conhecimento da sua aspiração para estudar e da sua vocação sacerdotal, o encorajou a retomar o sonho interrompido, levando-o consigo para a Polónia[2].
Depois de terminar a escola secundária, em 1891, o jovem Jorge ingressou no Seminário de Kielce, mudando o seu sobrenome lituano Matulaitis para o sobrenome polaco Matulewicz, de acordo com o costume daquele tempo e à semelhança do que fizera o seu primo. Após o encerramento do Seminário de Kielce pelas autoridades do Império Russo, no ano de 1893, o seminarista Jorge foi transferido para o Seminário de Varsóvia, onde se distinguiu pelo seu comportamento exemplar e pela sua inteligência arguta. Com efeito, em 1895, foi enviado para São Petersburgo a fim de concluir os estudos teológicos na Academia Eclesiástica Católica da Capital do Império Russo, que acolhia então a elite intelectual do clero católico sob a condescendência das autoridades czaristas. Em São Petersburgo, na catedral de Nossa Senhora da Assunção, foi ordenado sacerdote, a 20 de novembro de 1898, pela imposição das mãos do Bispo Karol Niedzialkowski, Reitor da Academia Eclesiástica Católica.
Tendo obtido o diploma de mestrado em teologia, no verão de 1899, regressou à Polónia para iniciar o seu estágio pastoral como vigário na paróquia suburbana de Daleszyce, perto da cidade de Kielce. Contudo, no outono desse ano, agudizaram-se os sintomas da sua doença dos ossos, ainda não diagnosticada. Depois de fazer um tratamento de banhos na estância termal de Kreuznach, na Alemanha, conseguiu algumas melhoras passageiras, sendo aconselhado a prolongar a terapia, sob a vigilância de um médico especialista em reumatismo. Enquanto isso, ingressou na Universidade Católica de Friburgo, na Suíça. Porém, a doença agravava-se de forma galopante, até que finalmente lhe diagnosticaram uma tuberculose óssea, obrigando-o a submeter-se a uma rápida intervenção cirúrgica, na primavera do ano de 1901. Mais uma vez, Jorge Matulewicz experimentava de forma incisiva a ação da Misericórdia de Deus na sua miséria pessoal: o diagnóstico da tuberculose óssea deixou-o deveras assustado, pois o fez tomar consciência da gravidade do seu estado de saúde e da possibilidade de ficar paralítico para o resto da vida, e além disso não tinha dinheiro para custear um tratamento eficaz e muito menos para pagar uma operação; porém, o Doutor Gustave Clément[3], o médico que o acompanhava, era um homem generoso, que se interessou realmente pelo seu paciente e decidiu operá-lo e cuidá-lo no recobro por uma quantia meramente simbólica[4].
Graças a isso, o estado de saúde do padre Jorge Matulevicz melhorou consideravelmente, o que lhe permitiu concluir o doutoramento em teologia, defendendo uma tese ecuménica acerca da doutrina dos ortodoxos russos sobre o estado de justiça original (Doctrina Russorum de statu justitiae originalis), sob a orientação do célebre professor dominicano Albert Weiss.
No verão de 1902, regressou à Polónia e foi designado como professor de Direito Canónico e Latim no Seminário de Kielce[5]. No final de 1904, o agravamento da doença que nunca o largou, forçou-a a um internamento no hospital de Praga, em Varsóvia, sob a ameaça de amputação de uma perna. Todavia, a Misericórdia de Deus veio novamente em socorro do padre Jorge Matulewicz através da benevolência da condessa Cecília Plater-Zyberk[6], que lhe providenciou uma proveitosa convalescença debaixo de diligentes cuidados médicos, acolhendo-o nas instalações do Instituto feminino de ensino profissional, que ela própria dirigia com o auxílio das suas coirmãs da Congregação clandestina das Servas Mensageiras do Sagrado Coração de Jesus[7].
De dezembro de 1904 a setembro de 1907, usufruiu da hospitalidade destas “irmãs escondidas”, desenvolvendo um profícuo trabalho pastoral juvenil no meio daquela ambiência de vanguarda educacional: da estreita colaboração intelectual entre o teólogo Matulewicz e a pedagoga Plater-Zyberk surgiu a Associação dos Amigos da Juventude com a finalidade de despertar entre os jovens rapazes o desejo de uma vida cristã mais profunda e convicta. Neste período, tentou revitalizar a Associação Mariana dos Padres Seculares com o objetivo de promover encontros espirituais para os sacerdotes diocesanos que pretendiam viver a sua consagração sacerdotal de forma mais piedosa e misericordiosa. Provavelmente, esta experiência de convivência com as “irmãs escondidas” e com alguns padres diocesanos que desejavam viver a perfeição da caridade influenciou a ideia da reforma e da renovação da Ordem dos Marianos da Imaculada Conceição. Em Varsóvia, o padre Jorge Matulewicz tornou-se um famoso confessor e pregador de retiros e de conferências ascéticas e propagador da doutrina social da Igreja no seio dos operários católicos, tendo colaborado com o padre Marcelo Godlewski na fundação da Associação dos Operários Cristãos para quem organizou jornadas sociológicas, expondo o ensinamento inovador da encíclica Rerum novarum do papa Leão XIII. O jovem sacerdote envolvia-se assim num apostolado arriscado, vindo a embater-se na desconfiança, sobretudo daqueles que ainda desconheciam o desenvolvimento do pensamento católico nas questões sociais. Por causa do seu engajamento social, foi acusado de socialista, liberal, modernista e até herético, pelo que na cúria de Varsóvia deliberou-se acerca da sua suspensão. A propósito desta situação deprimente, desabafou, anos mais tarde, com o seu amigo padre Francisco Bučys: “Como se a terra tivesse desabado embaixo de mim, eu não conseguia sentir o chão debaixo dos pés. Pareceu-me que desejava servir a Igreja de todo o coração, e eis que as suas autoridades pretendiam condenar-me. Fiquei doente por causa deste golpe. Permaneci fechado no meu quarto por mais de uma semana. (…). Através desta doença, Deus fez-me compreender o significado e o sentido da cruz e do sofrimento. E eu me curei pela graça de Deus. Comecei a não prestar atenção ao que as pessoas pensam, dizem ou escrevem sobre mim. Preocupava-me apenas com a glória de Deus e o bem da Igreja. Escolhi para mim o lema: Vince in bono malum” (Vence o mal com o bem)[8]. No meio desta angústia existencial, o padre Jorge Matulewicz experimentou em si mesmo, de modo radical, a Misericórdia Divina como um amor mais forte do que o mal e, por conseguinte, sentiu-se curado pelo bálsamo da misericórdia e impelido para ser misericordioso para com os caluniadores, não retribuindo o mal com o mal, mas procurando vencer o mal com o bem. Ironicamente, a fama destas controversas conferências sociológicas valeu-lhe o convite para lecionar a nova disciplina de sociologia na Academia Eclesiástica Católica de São Petersburgo.
Assim sendo, no início do outono do ano de 1907, transferiu-se de Varsóvia para São Petersburgo, onde permaneceu até ao ano de 1911. Nesse entretanto, aprouve a Deus intervir salvificamente na história dos Marianos da Imaculada Conceição, servindo-se da personalidade carismática de Jorge Matulewicz como instrumento da Sua imperscrutável Misericórdia. Desde o início do século XX, que a extinção da Ordem Mariana parecia ser inevitável e tornou-se um facto quase consumado quando em agosto de 1908 ficou somente o padre Vicente Senkus, já com 68 anos de idade e em estado de débil saúde. Este continuava a acreditar que Deus, rico em Misericórdia, não iria permitir que a chama lúgubre do carisma mariano se apagasse para sempre. E Deus parece ter ouvido as suas fervorosas súplicas, porquanto no dia 22 de setembro desse ano o padre Jorge Matulewicz dirigiu-lhe uma carta, manifestando o seu ardente desejo de ingressar na Ordem dos Marianos, juntamente com o seu colega padre Francisco Bučys, que também era professor na Academia Eclesiástica Católica de São Petersburgo. Ao ver que aqueles dois professores universitários estavam realmente interessados em salvar a Ordem dos Marianos da extinção, o padre Vicente Senkus decidiu incumbi-los como seus delegados diante das autoridades políticas do Império Russo, a fim de se fazerem diligêcias no intuito de reabrir o convento de Marijampole, na Lituânia, e de adquirir permissão legal para a admissão de novos candidatos. Perante a intransigência das autoridades civis convenceram-se de que era necessário renovar os Marianos de uma forma clandestina. Com o aval do último Superior Geral da Ordem dos Marianos, o padre Jorge Matulewicz aconselhou-se junto do bispo Casimiro Ruszkiewicz, bispo sufragário de Varsóvia e legado da Santa Sé para as causas dos Religiosos no território do Império Russo, o qual lhe recomendou expor a questão da renovação dos Marianos diante das autoridades máximas da Santa Sé. Assim sendo, no dia 28 de julho de 1909, o padre Jorge Matulewicz foi recebido pessoalmente pelo cardeal espanhol José Vives y Tuto, Prefeito da Congregação para os Religiosos, que teve um papel crucial na definição do rumo a seguir para a realização da reforma da Ordem dos Marianos[9]. Com base nas sugestões do cardeal, o padre Jorge Matulewicz redigiu uma carta oficial pedindo a dispensa do uso de hábito, a mudança dos votos solenes em simples e a adaptação das Constituições Marianas às Normas mais recentes da Congregação dos Religiosos. No dia 30 de julho desse ano, o padre Jorge Matulewicz foi recebido em audiência privada pelo papa Pio X, que lhe asseverou a sua aprovação relativamente à ideia da renovação dos Marianos. O consentimento pessoal do papa foi para o padre Jorge Matulewicz uma importante confirmação do Espírito Santo de que o carisma dos Marianos continuava a ser necessário à missão salvífica da Igreja. Regressado à Polónia, no dia 5 de agosto de 1909, enviou imediatamente uma mensagem telegráfica ao seu amigo padre Francisco Bučys pedindo-lhe que viesse quanto antes para Varsóvia, a fim de juntos se prepararem espiritualmente para ingressar na Congregação dos Marianos. E mandou também uma carta ao padre Vicente Senkus, dando-lhe as boas notícias da aprovação papal da reforma dos Marianos. Por conseguinte, no dia 29 de agosto de 1909, na capela privada do bispo Casimiro Ruszkiewicz, o padre Jorge Matulewicz emitiu os primeiros votos nas mãos do padre Vicente Senkus, e o padre Francisco Bučys foi admitido para iniciar o seu noviciado em São Petersburgo, sob a orientação do neo-professo. Com a perspetiva do tempo, este dia foi designado como o dia da ressurreição dos Marianos[10] e este acontecimento discreto foi considerado como a mais forte experiência da Misericórdia de Deus na história dos Marianos[11], porque nesse dia e nesse acontecimento podemos vislumbrar claramente a intervenção misericordiosa de Deus, “enviando o Seu Espírito que renova todas as coisas para suscitar no coração do padre Jorge Matulewicz o carisma de Renovador e para iluminar o coração do último Mariano branco para que ele pudesse acolher com serenidade a reforma das ‘coisas velhas’ e aceitar com alegria o desafio da novidade”[12]. Após o regresso a São Petersburgo, o Reformador dos Marianos dedicou-se sobretudo à elaboração das Constituições da renovada Congregação, que foram aprovadas pelo papa Pio X no dia 15 de setembro de 1910. Algum tempo depois, no dia 10 de abril de 1911, o padre Vicente Senkus adormeceu na paz de Cristo com a certeza de que o Espírito Santo sopra onde quer e quando quer. No dia 14 de julho desse ano, o padre Jorge Matulaitis-Matulewicz foi eleito Superior Geral da Congregação dos Marianos pelo padre Francisco Bučys e pelo padre João Totoraitis, que tinha feito os seus primeiros votos no dia anterior.
Tendo em conta o maior bem da Congregação, o novo Superior Geral renunciou aos cargos académicos que desempenhava na Academia Eclesiástica de São Petersburgo e partiu para Friburgo, onde abriu uma Casa de Estudos para a realização do noviciado dos Marianos. Assim, os novos candidatos poderiam completar a sua formação vocacional e reentrar no Império Russo para desempenhar o seu trabalho pastoral sem as autoridades czaristas desconfiarem da sua consagração religiosa. Em julho de 1913, viajou para Chicago, onde erigiu uma Casa Religiosa no intuito de assegurar um lugar estável onde os Padres Marianos pudessem desenvolver abertamente o seu carisma no zelo pastoral pela evangelização dos numerosos emigrantes da Europa de Leste que andavam dispersos pela “vida febril e ruidosa” da América[13]. Em setembro desse mesmo ano, regressou a Friburgo, dedicando-se à elaboração das Instruções da Congregação, inserindo nelas quase que todos os seus bons pensamentos e inspirações.
Nas férias do verão de 1914, foi convidado para pregar os exercícios espirituais ao clero diocesano da Lituânia. Quando rebentou a Primeira Grande Guerra Mundial (28 de julho de 1914), estava em Varsóvia, pregando um retiro espiritual às Servas Mensageiras do Sagrado Coração de Jesus. Por causa da guerra, não conseguiu regressar a Friburgo, permanecendo como hóspede no Instituto das suas beneméritas irmãs. No dia 5 de agosto de 1915, o exército da coligação dos Impérios da Alemanha e da Áustria-Hungria apoderou-se da cidade de Varsóvia, concedendo alguma liberdade religiosa. Aproveitando a oportunidade, o Superior Geral dos Marianos pediu a permissão do arcebispo Alexandre Kakowski para erigir uma Casa Religiosa naquela cidade, sendo que este lhe confiou a igreja e o antigo convento dos Camaldulenses em Bielany. Deste modo, foi-lhe possível abrir uma comunidade mariana com 5 noviços logo no outono desse ano. Naquele edifício enorme criou também um orfanato onde albergou mais de 200 crianças vítimas do flagelo da guerra. Muitos se admiravam ao ver o afamado padre professor Matulewicz carregando sacas de batatas para os pobres, apanhando lenha para a caldeira, esperando na fila para obter alimentação e vestuário para os seus órfãos, suportando insultos e insolências[14]. Sabendo ele o que era ser órfão desde tenra idade e sendo bem experimentado na dor e no sofrimento, praticava as obras de misericórdia de uma maneira especial para com os órfãos e os pobres, os doentes e os inválidos, os oprimidos e os marginalizados.
Na primavera de 1918, o padre Jorge Matulaitis regressou à Lituânia com a finalidade de abrir o noviciado e reanimar a vida religiosa no antigo convento de Marijampole que fora restituído aos Padres Marianos. Nesse ano, fundou também, na Lituânia, a Congregação das Irmãs dos Pobres da Imaculada Conceição com a missão carismática de servir a sociedade mediante a instrução religiosa e moral das franjas sociais necessitadas de maior assistência. Subitamente, no dia 23 de outubro de 1918, foi nomeado para Bispo de Vilnius pelo papa Bento XV. Foi consagrado na catedral de Kaunas no dia 1 de dezembro de 1918 e ingressou solenemente na catedral de Vilnius no dia 8 de dezembro, escolhendo como lema episcopal a sentença paulina Vince malum in bono (cf. Rm 12,21), que quer dizer vence o mal com o bem. Tendo consciência do clima de histerismo nacionalista que predominava na sua diocese, o bispo Jorge Matulaitis-Matulewicz sublinhou a primazia de Cristo e da Igreja, adotando como estratégia pastoral o primado do amor e da misericórdia: “Vivendo em harmonia com todos, cuidarei para que reine o amor, para que não haja disputas, ódios e injúrias. Quero ser misericordioso para os maus, suporte para os fracos e refúgio para os bons. (…). Seguindo os passos de Cristo, vou procurar abraçar a todos, ser tudo para todos. Estou preparado para suportar a morte pela verdade. Para vós desejo ser apenas pai e pastor, imitador de Cristo. O campo do meu trabalho será o Reino de Cristo, a Igreja militante; o meu partido será Cristo”[15]. Eis o programa que abraçou com caridade heroica, sob a pressão esmagadora do nacionalismo clericalista transversal a lituanos e polacos que acerrimamente disputavam o governo da cidade de Vilnius[16]. Apesar das incompreensões e hostilidades, entre confrontações e perseguições, permaneceu sempre fiel ao seu lema de vencer o mal com o bem: realizou várias visitas pastorais às paróquias da diocese; restaurou diversas comunidades religiosas masculinas e femininas; fundou a Congregação das Irmãs Servas de Jesus na Eucaristia com a missão carismática da educação e da instrução religiosa da juventude feminina; requalificou a formação académica e espiritual do Seminário Diocesano e motivou os seus padres para unir o apostolado paroquial à pastoral juvenil e educacional[17], sem omitir a dimensão sociocaritativa, não fazendo aceção de pessoas. A propósito de uma distribuição de alimentos aos pobres, sabendo que alguns católicos polacos tencionavam descriminar os judeus e os comunistas, o bispo de Vilnius escreveu o seguinte: “Cada homem faminto e necessitado merece compaixão e é preciso socorrê-lo, independentemente das suas convicções e da sua nacionalidade”[18]. Sem descurar as responsabilidades do múnus episcopal, continuou a desempenhar a função de Superior Geral dos Marianos, mantendo correspondência frequente com os seus coirmãos, encorajando-os também a eles a vencer o mal com o bem, colocando a caridade acima de tudo.
Após a assinatura da Concordata entre a Santa Sé e a República da Polónia, sabendo que convinha aos supremos interesses da Igreja Católica nomear para a diocese de Vilnius um bispo mais bem-visto aos olhos do Governo Polaco, pediu duas vezes a resignação episcopal[19]. Por fim, no dia 14 de julho de 1925, o papa Pio XI aceitou o seu pedido, permitindo-lhe vir para Roma para se dedicar mais afincadamente aos assuntos da Congregação dos Marianos[20]. Porém, a sua estadia em Roma foi muito curta, porque no dia 7 de dezembro desse ano o Sumo Pontífice decidiu nomeá-lo Visitador Apostólico da Lituânia. A nova missão do Arcebispo Matulaitis consistiu em reorganizar as dioceses do território da Lituânia, serenando os ânimos do Governo Lituano que não aceitara de bom grado a posição do Vaticano relativamente à questão de Vilnius[21]. Com grande abnegação e paciência, dissipou dúvidas e mal-entendidos. No verão de 1926, aceitando o convite para participar no Congresso Eucarístico Internacional de Chicago, aproveitou para visitar diversas paróquias lituanas dos Estados Unidos da América e ponderar a possibilidade de abrir novas comunidades Marianas naquele país. Depois disso, regressou a Kaunas para exortar os católicos lituanos a manterem-se fiéis à Igreja e em comunhão com o Vigário de Cristo apesar de todas as adversidades. Nos últimos dias da sua vida, dedicou-se a elaborar um projeto em vista de uma concordata entre a Lituânia e a Santa Sé. Depois de um ataque inesperado de apendicite aguda, no dia 22 de janeiro de 1927, foi forçado a uma intervenção cirúrgica tardia. Faleceu na madrugada do dia 27 de janeiro de 1927, na companhia do padre mariano Inácio Cesaitis, que lhe administrou os últimos sacramentos e anotou as suas últimas palavras: “Cerrai fileiras e sacrificai-vos!”[22]. No dia 28 de junho de 1987, foi beatificado em Roma pelo papa João Paulo II, que sublinhou a maneira heroica como procurou ser tudo para todos, como verdadeiro apóstolo da unidade[23].
Tendo como pano de fundo a intervenção da Divina Misericórdia nos altos e baixos da vida do Beato Jorge Matulaitis-Matulewicz, iremos apresentar os traços característicos da misericórdia na sua espiritualidade proexistencial de em tudo buscar a Deus, por Cristo e pela Igreja, vencendo o mal com o bem, colocando a caridade acima de tudo num autêntico apostolado do exemplo.
- A misericórdia na espiritualidade proexistencial de em tudo querer a Deus
Ao começar a escrever o seu Diário Espiritual em São Petersburgo, no dia 14 de outubro de 1910, o Renovador dos Marianos expôs claramente o seu supremo ideal: “O meu lema seja: em tudo buscar a Deus, fazer tudo para a maior glória de Deus, em tudo introduzir o espírito de Deus, penetrar tudo do espírito de Deus. Deus e Sua glória tornem-se o centro de toda a minha vida, o eixo em torno do qual devem girar todos os meus pensamentos, sentimentos, desejos e atos”[24]. De igual modo, definiu a procura incessante de Deus como ideia geral da Congregação dos Marianos: “O lema da Congregação é «Por Cristo e pela Igreja». Portanto, os membros devem desejar estar imbuídos do espírito de Cristo e da Igreja para em tudo buscar a Deus, para agradar a Deus em todas as coisas, para fazer tudo para a maior glória de Deus, para introduzir Deus em todas as coisas, para que Deus seja o centro da vida de toda a Congregação e de cada um de seus membros”[25].
Nas páginas do seu Diário Espiritual podemos encontrar numerosos atos de perfeito amor a Deus, que são uma autêntica manifestação de fé de quem desejava Deus acima de todas as coisas: “Senhor, vós vedes o meu coração, Vós sabeis que Vos amo e desejo amar cada vez mais. Se virdes em mim, ainda que seja uma única fibra que não pulse com o vosso amor, arrancai-a e destruí-a”[26]. Na ótica do beato Jorge, o sentimento é uma força da graça, um dom divino que convém ser adequadamente direcionado para a maior glória de Deus, de tal modo que “este deveria ser o lema de uma alma devota: «tudo para Deus, por Deus e em Deus»”[27]. O sentimento místico do desejo de Deus permite-nos distinguir mais claramente a tónica da misericórdia na postura espiritual do Renovador dos Marianos. De facto, o desejo de Deus constitui um espaço de encontro entre dois desejos recíprocos: a condescendência amorosa de Deus que se inclina das alturas da eternidade para atrair tudo a Si e o impulso transcendente do ser humano que o projeta para aspirar às coisas do alto. A reciprocidade do desejo de Deus aponta para a necessidade de relacionamento entre Deus e o homem, bem como para o primado da iniciativa divina na ânsia humana de felicidade eternidade. O Beato Jorge tinha uma perfeita noção de que o mistério da Divina Misericórdia estava por detrás de tudo o que existe e, sobretudo, por detrás de cada existência humana. Numa das suas conferências ascéticas sublinhava que Deus nos criou para nos fazer felizes na Sua condescendência de Amor e Bondade[28], pelo que o fim último e mais elevado da nossa vida é entregar-se completamente a Deus, desejando acima de tudo cumprir a Sua vontade para a Sua maior glória[29].
Na tentativa de realizar o seu supremo ideal de em tudo querer a Deus, o Beato Jorge preocupava-se preferencialmente por buscar a glória de Deus e contribuir para a salvação das almas, considerando digno e justo dedicar tudo a esse nobre objetivo: tempo, bens, aptidões e até a própria vida[30]. Neste âmbito, aconselhava os seus coirmãos a não desperdiçar nenhuma ocasião para servir as pessoas, atraindo-as para Deus e incentivava os confessores a nutrir o ardente desejo de elevar sobremaneira as pessoas a Deus, dando primazia ao amor e à misericórdia sobre todos os outros sentimentos[31]. Nesta atitude de em tudo buscar a Deus por causa da Sua maior glória e por causa da salvação das almas podemos constatar o carácter proexistencial da vida interior do Renovador dos Marianos. O traço característico da proexistência da sua espiritualidade surge precisamente do seu critério para avaliar tudo das alturas da eternidade: “Olhando para o mundo dessas alturas eternas, aprende como é preciso avaliar todas as coisas da terra e colocar cada uma em seu lugar. […] Quanto me será isso útil para a eternidade, para a maior glória de Deus, para o bem da Igreja, a salvação das almas, o meu próprio progresso na perfeição!”[32]. A consciência teológica do primado da iniciativa da Misericórdia de Deus levou o Beato Jorge a desenvolver uma autêntica espiritualidade da proexistência[33] por Deus e pelos homens, por Cristo e pela Igreja, pela salvação das almas e pelo seu próprio progresso na perfeição da caridade: “Tudo se deve olhar à luz da eternidade; com grande desvelo em tudo se deve procurar Deus e agradar a Deus apenas. Ele é tão bom e clemente, que é o primeiro a procurar-nos. Levanta-nos com a sua graça, acorda-nos da sonolência espiritual, sem cessar anima-nos e estimula-nos para que trabalhemos pela Sua glória. Ele conduz-nos e levanta-nos para uma perfeição cada vez maior e para todas as boas obras no sentido da salvação das almas e proveito da Igreja”[34].
De salientar que a contemplação do mistério da misericórdia é precisamente a condição fundamental para o Beato Jorge elaborar a sua espiritualidade proexistencial do desejo de Deus. A contemplação do olhar misericordioso de Deus diante da sua miséria pessoal inspira-o a oferecer os seus trabalhos, dissabores e sofrimentos em espírito de penitência pelos seus próprios pecados e pelos pecados do mundo inteiro[35]: “Vós sois o Deus de toda a misericórdia, olhai pois com Vossos olhos misericordiosos para mim, indigna criatura, e perdoai-me tudo o que contra vós tenho cometido”[36]. A misericórdia é o caminho que arrebata os seus pensamentos para amar a Deus e impele os seus sentimentos para amar o próximo. Por um lado, perscrutando mais profundamente a miséria da sua vida interior, o Beato Jorge vislumbra com admiração as torrentes da Divina Misericórdia enchedo-o de amor transbordante, apesar das suas faltas, fraquezas e imperfeições: “Senhor, que terrível corrupção da natureza em toda a parte… Que impotência… Quantas imperfeições e erros em toda a parte… O desespero apoderar-se-ia de mim, se eu não tivesse ilimitada confiança em Vossa indizível Misericórdia. Vejo, Senhor, como as vossas abundantes graças, que descem como que em torrentes, incessantemente purificam, lavam da minha alma o pó da imperfeição e a lama das transgressões. Graças Vos dou por isso, Deus misericordioso”[37]. Por outro lado, tendo renunciado a si mesmo e mergulhando cada vez mais nas profundezas do amor misericordioso de Deus, o Beato Jorge sente o seu coração a alargar-se para poder abarcar todas as pessoas humanas, sem exceção de estado ou nacionalidade, a ponto de julgar todos os homens como irmãos e a humanidade inteira como uma única família, desejando envolver todos com o coração ardente e estreitar com amor todos ao coração[38].
- A misericórdia na espiritualidade profética de enamoramento e de martírio por Cristo e pela Igreja
A espiritualidade proexistencial do Beato Jorge é eminentemente cristocêntrica, visto que por Cristo, com Cristo e em Cristo se concentra todo o seu ser e agir. A essência da sua vocação consagrada estava no desejo de seguir os passos de Cristo, esforçando-se por se tornar cada vez mais semelhante a Ele, de tal forma que o objetivo da vida de Cristo era o seu objetivo principal[39]. O ponto de partida da sua missão pastoral há de encontra-se precisamente na sua ascese de se deixar imbuir do espírito de Cristo: “Não nos entregando aos maus costumes e paixões deste mundo, não nos submetendo às suas opiniões e aos seus pontos de vista erróneos, procuraremos renovar tudo em Cristo; e, sobretudo, fazer-nos renascer a nós mesmos, deixarmo-nos penetrar inteiramente pelo espírito de Cristo; por suas leis e princípios, procuraremos anunciar ao mundo Cristo em toda a plenitude e conduzir todos para Ele”[40]. A expressão “espírito de Cristo” é a chave para a compreensão da tónica da misericórdia na espiritualidade profética do Renovador dos Marianos. Numa carta ao seu amigo e coirmão Francisco Bučys definiu sucintamente o espírito de Cristo como o espírito do amor[41]. A vivência profunda do amor a Cristo no seu íntimo impelia-o a agir para atrair a todos para Cristo e portanto procurava atingir as pessoas nas profundezas da alma “para aí acender o amor a Deus e ao próximo, introduzir o espírito de Cristo”[42]. O seu zelo apostólico para propagar a glória de Deus, para salvar mais almas e para contribuir para o bem da Igreja inflamava-se na medida em que procurava vivificar, penetrar e renovar tudo com o espírito de Cristo[43]. Quanto mais o Beato Jorge se deixava guiar pelo espírito de Cristo tanto mais ardente se tornava o seu coração para atrair os outros para Deus, através da demonstração de verdadeiro amor e de afeto profundo[44], pelo que o amor a Cristo na sua vida espiritual convertia-se em amor a exemplo de Cristo no ardor do seu apostolado[45]. Neste sentido, podemos afirmar que a sua solicitude pastoral pela salvação das almas era um autêntico apostolado da misericórdia como consequência da sua espiritualidade de enamoramento por Cristo.
Para o Beato Jorge, levar uma vida verdadeiramente piedosa, interior e espiritual significava ao mesmo tempo levar uma vida ativa e muito laboriosa, contemplando todo o mistério de Cristo e imitando plenamente a vida de Cristo: “O nosso modelo seja Cristo, que não trabalhava apenas na tranquilidade da casa de Nazaré, não fazendo apenas penitência e jejuando quarenta dias no deserto, passando noites inteiras em oração, mas também o Cristo que trabalha, que se queixa, que sofre, o Cristo entre as multidões, passando por aldeias e cidades, visitando pecadores e justos, pessoas simples e sábios, pobres e ricos. O Cristo que ensina e refuta os ataques dos fariseus, o Cristo que procura as ovelhas perdidas, que sofre, perseguido e obrigado a esconder-se do ódio dos inimigos”[46]. De facto, o caminho das fadigas, dos sofrimentos, das perseguições e das opressões levou o beato Jorge a trilhar apaixonadamente o caminho pelo qual andou o seu diletíssimo Salvador: “Ó Jesus, amo-Vos e desejo amar-Vos. Dai-me essa graça! Ó Jesus, concedei-me coragem e força, para que eu não sucumba a dificuldade alguma, nem cruze os braços pela exaltação do Vosso Nome e pelo bem da Vossa Igreja, para que caminhe corajosamente, me introduza em toda a parte onde seja possível trabalhar e sofrer por Vós: para que, estando eu mesmo repleto do Vosso espírito, procure levá-lo a toda a parte”[47].
Para o Renavador dos Marianos, imbuir-se do espírito de Cristo significava também deixar-se impregnar do espírito da Igreja de Cristo: “Onde está a origem da força para cada um de nós? Sem dúvida apenas em Cristo e no espírito da Igreja de Cristo: no objetivo que nos indica, nas normas que nos fornece, nos sacramentos que nos concede. Eis a fonte da nossa vitalidade. Quanto mais alguém se aprofundar no espírito de Cristo e da Igreja, de certa forma se levedar e se deixar penetrar por Ele, tanto mais completa será a sua santidade e mais proveitosa a atividade”[48]. Na perspetiva teológica do Beato Jorge, é inconcebível pensar Cristo separadamente da Igreja e sem referência à Sua presença na Igreja e à Sua paixão pela Igreja: “O que desejava Cristo? Fundar o Reino de Deus na Terra, isto é, a nossa santa Igreja. Por que caminho buscou esse fim? Pelo caminho da renúncia total, o caminho do trabalho, das dificuldades, da pobreza, da humilhação, da perseguição e do sofrimento. E andou por esse caminho até inclinar a sua cabeça, pregado à cruz. O que resulta daí? A obrigação para cada um de nós de, renunciando voluntariamente e por completo a si mesmo, sem restrições, entregar-se e consagrar-se à Igreja”[49]. Destarte, podemos constatar o carácter profundamente eclesial da espiritualidade do nosso Renovador que se traduz numa apaixonada dedicação ao serviço da Igreja. Numa passagem do seu Diário Espiritual podemos contemplar uma estremecedora experiência mística que ilustra muito bem a sua espiritualidade de enamoramento pela Igreja: “Ó Santa Igreja Católica, verdadeiro Reino de Cristo na terra, meu mais ardente amor! Se eu de ti me esquecer, que a minha mão direita se paralise! Que a minha língua se me apegue ao céu-da-boca, se eu não me lembrar de ti; se eu não te considerar como a minha mãe mais dileta, como o meu maior consolo!”[50]. Outras vezes, manifesta o seu zelo apostólico, desejando arder como uma vela no altar pelo ardor do trabalho e fogo de amor por Cristo e pela Igreja[51], e queimar-se como grão de incenso, exalando perfume agradável pela glória de Deus[52]. Efetivamente, o Beato Jorge preocupava-se de tal maneira pela Igreja, que os sofrimentos, as preocupações e as feridas da Igreja se tornavam as suas preocupações, sofrimentos e feridas do coração[53]. Neste desvelo de sentire cum Ecclesia (sentir juntamente com a Igreja), recomendava aos seus coirmãos de Congregação que empreendessem todos os seus trabalhos apostólicos em estreito vínculo com a Igreja Católica, na Igreja e pela Igreja[54]: “A Igreja é a nossa mãe. As suas cruzes e os seus sofrimentos devem ser os nossos sofrimentos e as nossas dores; as suas causas, as nossas causas; os seus problemas e as suas misérias devem ser os nossos cuidados e as nossas preocupações; as suas alegrias e o seu contentamento, as nossas alegrias […]. Devemos viver e trabalhar sobretudo pela Igreja e, caso seja necessário, também morrer por ela”[55]. Não se trata meramente de uma apologética de defender as verdades da fé diante dos ataques dos inimigos da Igreja, mas mormente de um impulso impetuoso de entregar-se por inteiro para atrair a todos para Cristo e para conquistar a todos para o Reino de Cristo: “Devemos ser uma força tal que se introduza em toda a parte, atravesse, penetre, tudo conquiste, e não uma força que apenas se defenda”[56].
A conceção eclesiológica da Igreja Católica como Reino de Cristo na terra motivou o beato Jorge a adotar uma tática pastoral combativa que pode ser denominada de estratégia da conquista[57], que o estimulava a por-se a caminho para a “santa luta por Deus e pela Igreja”[58], combatendo com o seu amor e, se necessário, até com o sangue, contanto que o Reino de Cristo crescesse e se propagasse: “Que o nosso zelo se volte sempre para aquelas pessoas que ainda nem conhecem a Cristo, ou O conhecem insuficientemente, e de modo especial onde lutam contra Cristo, para que como bons soldados de Cristo, lutemos também aí e demos a nossa vida por Cristo”[59]. A estratégia da conquista impele-o a esforçar-se por entrar em toda a parte com coragem, perseverança e criatividade para conseguir alguma coisa para Cristo e para a Igreja: “Se um caminho está vedado, por que não procurar outro? Se uma porta está fechada, arrombemos uma outra? Se uma janela está cerrada, façamos uma outra para deixar entrar a luz”[60]. Para atingir o seu objetivo de levar Cristo a toda a parte e de em toda a parte elevar o nome da Igreja está disposto a tudo, lançando mão de todos os meios lícitos: da veste sacerdotal ou, se for melhor apropriado, do traje civil, e também dos meios do ensino, da arte, do trabalho, dos bens materiais e do seu próprio sangue[61].
A total abnegação do Beato Jorge para se gastar e se consumir nos trabalhos, opressões e lutas pela Igreja é a acendalha do seu desejo de martírio de sangue, que constitui uma nota característica da sua espiritualidade de enamoramento[62]. Eis alguns trechos do seu Diário Espiritual que revelam sinceramente esta espiritualidade profética de enamoramento-martírio por Cristo e pela Igreja:
- “Queremos, desejamos, e estamos decididos a sacrificar tudo para que o nome do nosso Deus seja glorificado em toda a parte, para que a Santa Igreja, nossa mãe, cresça, floresça e se expanda”[63].
- “Que os primeiros cristãos sejam nossos mestres e modelos. Ó grandes e santos heróis da nossa fé, que com a ajuda de Cristo, e pelo vosso sangue derramado, expandistes a Santa Igreja de Deus, pedi para nós coragem e fortaleza, para que sigamos os vossos passos!”[64].
- “Oh, se fosse possível entregar todo o sangue, gota a gota, para levar a Deus, à Igreja, os nossos irmãos, essa família divina, uni-los com Cristo!”[65].
- “Desejaria consagrar-me a Vós até à última gota de sangue, entregar tudo a Vós, renunciar a tudo, até à vida, unicamente para que cresça a Vossa glória, para que se propague e cresça a Vossa Igreja”[66].
- “É preciso orar com fervor para que reine sempre entre nós o espírito católico, para que saibamos abandonar tudo, renunciar a tudo e enfrentar a luta e o trabalho onde seja necessário, e até sacrificar a própria vida pela causa do evangelho”[67].
- “Onde quer que nos caiba ficar, seja na prisão, seja no exílio – aí pretendemos anunciar a Cristo e não nos afastaremos da nossa maneira de viver. Não se sabe o que nos pode suceder na vida; que dissabores e perseguições será preciso sofrer por Cristo. Temos que estar preparadaos para tudo”[68].
- “Ó Jesus que eu me entregue à Vossa Igreja e à salvação das almas, remidas pelo Vosso sangue, para que conviva convosco, trabalhe convosco, sofra convosco e, como confio, convosco morra e reine”[69].
Definimos a espiritualidade do enamoramento-martírio como espiritualidade profética tendo em conta que esta postura espiritual surge como um chamamento interior que exige uma ação transformadora no exterior, ou melhor, como uma atitude ascética de morrer para si mesmo e para o mundo a fim de mergulhar no amor misericordioso de Deus, produzindo muitos frutos de boas e proveitosas obras de misericórdia[70]. Somente este mergulho no mar da Misericórdia de Deus explica o amor solícito e abnegado do Beato Jorge por Cristo e pela Igreja, a ponto de o seu coração se inflamar do desejo místico de ser utilizado como instrumento da misericórdia: “Se é permitido pedi-lo, concedei, Senhor que na Vossa Igreja eu seja como um esfregão, com o qual tudo se esfrega; e, tendo-o utilizado se lança para qualquer lugar, no canto mais escuro, escondido. Seja eu também assim utilizado e aproveitado, contanto que na Vossa Igreja haja ao menos um cantinho mais limpo, contando que a Vossa casa esteja mais limpa e asseada. Seja eu depois atirado para qualquer lugar, como esse esfregão sujo e usado”[71]. Sabemos que esta metáfora do esfregão sujo e usado para limpar a Igreja cumpriu-se quase literalmente no múnus pastoral do Beato Jorge, sobretudo enquanto Bispo de Vilnius e depois enquanto Visitador Apostólico da Lituânia. Todavia, o simbolismo desta metáfora ultrapassa largamente o sentido de cumprimento de dever ainda que na total abnegação de si mesmo. A imagem do esfregão sujo e usado que se atira para o canto mais escuro e escondido exprime a profundeza da sua configuração com Cristo Sofredor e Misericordioso que nos amou até ao extremo, entregando a sua vida por nós e pela nossa salvação. A prolongada convivência do Beato Jorge com o sofrimento corporal provocado pela tuberculose óssea e a sua experiência de sofrimento espiritual por causa das incompreensões, das adversidades e das calúnias que suportou na sua missão pastoral levaram-no a querer imitar Cristo no seu estilo proexistencial de ser inteiramente pelos outros[72], trilhando o caminho do trabalho, das dificuldades e das cruzes[73]. Ao longo da sua vida, ele passou por momentos muito difíceis e dolorosos, mas sempre agarrado a Cristo, que era a origem da sua força espiritual e a fonte da sua vitalidade pastoral, ecoando o lema paulino: “Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4,13). Estas palavras eram um autêntico conforto, amparo e consolo no meio das perseguições: “Destas palavras conheçamos nós onde está a nossa força: na total abnegação de nós mesmos e num grande amor a Deus, na entrega total a Cristo e na união com Ele. Abracemo-nos à cruz de Nosso Senhor, e não nos prejudicará nenhum poder, não nos deterá nem nos fechará o caminho nenhuma potência”[74]. Quanto mais se multiplicavam as dificuldades, adversidades, ciladas e emboscadas de todo o tipo, tanto mais se fortalecia, crescia e aumentava, ao mesmo tempo, o seu zelo, coragem, criatividade, sabedoria, valor e perseverança: “O nosso lema seja: «Tudo posso naquele que me conforta». Concedei, ó Deus, que em meio de todas as tempestades que contra nós tente provocar o espírito mau e o mundo corrompido, perseveremos na constância e na paz inquebrantável; e quanto mais nos perseguirem, tanto mais busquemos Vosso dileto Filho Jesus Cristo e com tanto mais confiança nos refugiemos sob a proteção da Imaculada Virgem Maria”[75].
Neste pronunciamento do beato Jorge notamos muito bem a dimensão mariana da sua espiritualidade de enamoramento por Cristo e pela Igreja, abraçando as cruzes cotidianas confortado com a poderosa intercessão da Santíssima Virgem, Protetora e Auxiliadora de todos os oprimidos[76] e consolado com o exemplo corajoso da sua fé[77]. A devoção mariana do beato Jorge era de tal forma cristocêntrica e proeclesial que os seus sentimentos especiais de amor para com a Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria acendiam em seu coração o desejo de amar a Deus, apertar a cruz de Cristo, trabalhar e sofrer pela Igreja[78]. O seu estilo mariano de confiar no amor misericordioso de Deus e de permanecer intimamente unido a Cristo e em comunhão de sentimentos com a Igreja constitui o cerne da sua entrega total por Cristo e pela Igreja: “Senhor, em Vós confio plenamente, fortalecei a minha esperança. Em quem poderei confiar mais, sendo eu um indigente espiritualmente, a não ser na Vossa bondade, Senhor, a não ser no coração do Vosso diletíssimo Filho, cheio de amor e misericórdia, a não ser na poderosa intercessão da Santíssima Virgem Maria? Senhor, creio em tudo o que revelastes, o que ensina a Santa Igreja católica. […] Fortalecido pela Vossa graça, estou pronto, como me parece, a entregar a minha vida por cada verdade revelada”[79]. Desta postura espiritual do beato Jorge de ser e agir com e como Maria Imaculada podemos compreender mais genuinamente a sua solicitude proeclesial de “levar Cristo a toda a parte, renovar e reconstruir tudo em Cristo, conquistar a todos para Cristo, atrair a todos para Cristo”[80].
- A misericórdia na espiritualidade proativa de vencer o mal com o bem
Como é sabido, o Bispo Jorge Matulaitis escolheu como divisa episcopal a máxima latina Vince malum in bono, retirada da tradução da Vulgata do versículo 12 do capítulo 21 da Carta de São Paulo aos Romanos. É interessante notar que o Apóstolo dos Gentios adverte para vencer o mal com o bem no contexto de uma reflexão sobre a importância de mostrar caridade para com todos, exortando à prática das obras de misericórdia, mesmo para com os inimigos: “Abençoai os que vos perseguem; abençoai e não amaldiçoeis. […] A ninguém pagueis o mal com o mal. […] Antes, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer, se tiver sede, dá-lhe de beber. Agindo desta forma estarás acumulando brasas sobre a cabeça dele. Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12,14.17a.20-21). Esta sentença paulina aponta claramente para o mandamento novo do amor aos inimigos (cf. Mt 5,44a). A postura misericordiosa de responder ao mal com o bem é uma manifestação da caridade perfeita a exemplo da proexistência de Jesus, que passou pela terra fazendo o bem, sempre com um coração terno e misericordioso, sacrificando a sua vida por todas as pessoas[81]: “Cristo, apesar de estar rodeado de pecadores, muitas vezes, perversos, nunca se ressentiu com eles, sempre se sacrificou por eles, porque era Deus e amava o Seu Pai. Ele também lutou contra o mal com o bem, e deu a sua vida pelas pessoas. E nós, quando amarmos verdadeiramente a Deus, não nos ressentiremos com nenhuma ingratidão, aprenderemos a sacrificar-nos pelo próximo e passaremos esta vida fazendo o bem”[82].
Seguindo os passos de Jesus Misericordioso, o beato Jorge consagrou a sua existência terrena por amor a Deus e ao próximo, procurando em tudo vencer o mal com o bem. De facto, o lema que escolheu para o seu brasão episcopal era realmente um conteúdo espiritual da sua vida pessoal e um princípio fundamental do seu serviço pastoral. Por conseguinte, tentou instilar este princípio orientador de vencer o mal com o bem no carisma e na missão dos religiosos da Congregação dos Padres Marianos: “Seja na Congregação ou fora dela, a ninguém se pague o mal com o mal, mas tente-se vencer todo o mal com o bem. Não se deixe cair o ânimo diante das dificuldades, perseguições, objeções e semelhantes dissabores que podem afetar alguns indivíduos ou toda a comunidade, mas tanto mais se esforcem para serem vivificados pelo espírito de Cristo e da Igreja e trabalhem incansavelmente para a propagação da glória de Deus e para a salvação das almas, considerando as cruzes como um sinal da bênção de Deus e uma prova de graça singular, e orem a Deus pelos perseguidores”[83]. Esta recomendação para vencer o mal com o bem entrou inclusive para o texto legislativo das primeiras Constituições da Congregação após a renovação e continua a ecoar nas atuais Constituições como uma nota carismática do Renovador dos Marianos: “Perdoem prontamente as injúrias; não retribuam o mal com o mal a ninguém, mas procurem vencer o mal com o bem, e orem pelos inimigos, pelos perseguidores e pelos caluniadores”[84].
Convém salientar que na sua correspondência epistolar dava frequentemente este conselho em jeito de direção espiritual. Assim escreveu ao seu amigo Francisco Bučys: “Se alguém nos ofendeu, se escutamos algo prejudicial, alguma calúnia, tentemos como pudermos pagar o mal a essa pessoa com o bem ou, pelo menos, tentemos trazer as suas boas qualidades à luz do dia, elogiá-la por qualquer coisa boa ou senão rezemos por ela”[85]. De igual modo, aconselhou a Irmã Wanda Jeute, a primeira superiora das Irmãs Eucarísticas: “Nunca devemos ressentir-nos com o mal, mas o mal deve ser vencido com o bem”[86]. Se pretendêssemos fazer uma síntese das suas admoestações espirituais aos coirmãos Marianos poderíamos usar as palavras incisivas que escreveu poucos meses depois da sua reeleição como superior geral ao padre Casimiro Bronikowski, conselheiro geral e superior maior dos Marianos na Polónia: “Por favor, não se esqueçam do princípio mariano: vince malum in bono”[87]. Após a sua saída da diocese de Vilnius, anotou as seguintes palavras em Roma no seu Diário do bispo: “Sendo sacerdote, sempre tive o cuidado para não prejudicar ninguém, pelo contrário, tanto quanto pude tentei servir as pessoas e fazer o bem: Vince malum in bono”[88]. Tendo em consideração tanto o seu estilo misericordioso de servir e fazer o bem como o seu zelo para aconselhar os demais a praticar a misericórdia para com o próximo, podemos afirmar sem sombra de dúvida que o princípio da misericórdia é um traço característico da silhueta espiritual do beato Jorge Matulaitis-Matulewicz.
Segundo a visão teológica do Renovador dos Marianos, pode-se definir a Divina Misericórdia como a vitória do bem onde quer que haja mal, ou seja, o triunfo da graça onde quer que a situação humana seja desgraçada: no pecado, na fraqueza, na miséria, no sofrimento, no desespero[89]. No seu ponto de vista, o acolhimento da graça salutar do Amor Misericordioso de Deus inflama o coração humano de sentimentos de ternura e de compaixão que impelem a querer bem e a fazer bem ao próximo: “A compaixão é o eco do coração sensível às angústias do próximo. A dedicação, o heroísmo, o zelo são impulsos nobres do coração, impulsos espontâneos que devem ser direcionados para o caminho certo. É preciso também aprender a pensar bem sobre os outros, aprender a querer-lhes bem, a regozijar-se de coração com o seu bom sucesso, a advertir os outros – sem ser inoportuno – tentando pressentir o seu sofrimento e comportando-se sempre com ternura, com senso de delicadeza e discrição, não invadindo violentamente os recônditos dos corações dos outros”[90].
A Divina Misericórdia conduz necessariamente ao amor misericordioso pelo próximo, uma vez que a misericórdia expande o nosso coração para um amor oblativo e sacrificial pelo bem dos outros[91]. A sensibilidade misericordiosa do beato Jorge pelo bem dos outros levou-o a desenvolver uma autêntica espiritualidade proativa de vencer o mal com o bem, distinguindo-se pelo espírito de iniciativa, arriscando tudo pela maior glória de Deus, pelo bem da Igreja e pela salvação das almas[92]. A sua tentativa de vencer o mal com o bem não se reduz a uma reação positiva defronte dos acontecimentos negativos, mas trata-se sobretudo de uma metodologia proativa de quem sabe o que quer e não tem medo de arriscar: “Temos que caminhar com coragem e valentia em direção ao objetivo pelo caminho que Deus nos indica, e aonde o Espírito de Deus nos conduz, não levando em conta nenhum obstáculo, não tendo medo de nada. Se estivermos repletos do Espírito de Deus, enfim tudo superaremos, visto que ninguém consegue acorrentar o espírito, nem fechá-lo na prisão, nem segurá-lo no exílio. Ele sempre escapará e conseguirá passar por tudo”[93]. Daqui podemos constatar como o beato Jorge percebe a ação fundamental do Espírito Santo no triunfo do bem sobre o mal: o Espírito Santo não somente é Aquele que nos conduz pelo caminho da vontade de Deus, mas também é Aquele que nos infunde o dom da fortaleza e a virtude da perseverança para não renunciar à nossa vocação, para não ter medo de arriscar tudo por Cristo e pela Igreja: “Inflamai apenas, Senhor, os nossos corações com o fogo do Vosso amor; e concedei-nos o Vosso Espírito Santo, para que, tendo realmente renunciado a tudo, nos consagremos inteiramente apenas à Vossa glória e à Vossa Igreja”[94]. Na sua opinião, só será possível vencer o mal com o bem na medida em que nos despojarmos do amor-próprio e da natureza corrupta e nos vestirmos da graça e do Espírito de Cristo; só será possível atrair os outros para Cristo e para a Igreja na medida em que nos deixarmos inflamar do santo fogo do entusiasmo, de tal modo que desejaríamos levantar o mundo todo para o céu, para depositá-lo em sacrifício aos pés do Altíssimo[95].
Neste contexto de entusiasmo proativo, o Renovador dos Marianos considera que um verdadeiro religioso é aquele que busca a Deus e procura atrair outros para Deus; é aquele que na sua vocação não se torna negligente ou tíbio, mas pelo seu testemunho de vida desperta nos outros sentimentos mais elevados e até a própria vocação: “Necessitamos de pessoas cheias de energia, ativas, que saibam proceder com independência, empreendedoras e cautelosas, que saibam viver bem um teor de vida e, na necessidade, ganhar o seu pedaço de pão, capazes de olhar para o mundo e para as pessoas sensatamente e com olhar benevolente, que não renunciem nunca às suas tarefas e objetivos, que sempre e em toda a parte busquem o objetivo até à morte, a união com Deus na eternidade”[96]. Vencer o mal com o bem significa abarcar com um coração verdadeiramente católico toda a Igreja e todo o mundo para levar por diante a obra de Cristo: “Estimulemos o espírito para que haja em nós o maior número possível daqueles que vão servir de boa vontade, não apenas aos seus, mas também as pessoas estranhas. […] Dai-nos Senhor o espírito apostólico, o espírito do verdadeiro zelo, que abrange todas as almas”[97]. Na perspetiva do beato Jorge, para uma vivência autêntica da espiritualidade católica e apostólica não basta amar a Deus e a Igreja, mas além disso é preciso saber amar: “Existem também católicos que amam ardentemente a Igreja e o catolicismo, mas tão imprudentemente e de forma tão inadequada que lhe proporcionam mais prejuízo do que proveito”[98]. A sua solicitude proeclesial não tem nada que ver com proselitismo, mas antes com um ardente zelo pelas almas, principalmente por aquelas que estão cheias de preconceitos contra a Igreja, não a amam, não a suportam, e até a combatem. Ao meio dos inimigos e perseguidores da Igreja devemos também levar a doutrina de Cristo e procurar a salvação das suas almas: “Sejamos semelhantes àquele bom e misericordioso pai da parábola que, parado à porta, aguarda a volta do filho pródigo e, tendo-o visto, sai ao seu encontro, recebe-o em seus braços, beija-o, condu-lo à sua casa, dá-lhe novas vestes e prepara-lhe um banquete”[99]. Por conseguinte, não é de admirar que diante daqueles que perseguem a Igreja Católica a sua posição seja mais proativa do que reativa. A melhor maneira de agir contra as associações prejudiciais que trabalham para minar a Igreja e a sociedade é desenvolver a nossa ação católica[100].
No âmbito desta postura misericordiosa para com os que vagueiam longe de Cristo e da Igreja compreendem-se melhor as recomendações do Renovador dos Marianos para estar em todo o género de associações e instituições, em diversos países e nações, e principalmente nas grandes cidades, e também próximo das universidades, junto da juventude, “para que a verdadeira doutrina de Cristo emane de onde atualmente emana a falsa”[101]; para estar nas diversas associações e sindicatos operários, “para que eles, como são com frequência centro e instrumento de diversas correntes revolucionárias e sediosas, assim se tornem em toda a parte sustentáculo e defesa da fé de Cristo e da Igreja[102]; para ir aonde é mais necessário, sem hesitar em abandonar a própria pátria, ultrapassando preconceitos e disputas nacionais e ir para onde a Igreja é mais perseguida e onde a difusão da vida religiosa é proibida[103], “para podermos servir a todos da mesma maneira, indo sobretudo aonde nos chama a maior glória de Deus”[104]; evitar o estreitamento do nosso campo de ação[105] e trabalhar pelo bem da sociedade sem partidarismos políticos nem nacionalismos, desejando apenas “aperfeiçoarmo-nos cada vez mais a nós mesmos, e viver cada vez melhor e mais piedosamente, segundo o espírito do Evangelho”[106], fazendo questão de nos tornarmos “para os outros amparo, fonte e centro de vida espiritual[107].
A respeito deste bom propósito de aperfeiçoamento interior em ordem ao aperfeiçoamento exterior[108], o beato Jorge enfatizava que para a obra da renovação em Cristo não se deve iniciar pela condenação, humilhação e desprezo dos outros, mas é preciso, antes de tudo, buscar a verdadeira luz, mergulhando a mente, a força de vontade e os sentimentos do coração no amor misericordioso de Deus; e a seguir, é preciso abrir-se ao amor fraterno, procurando outros coirmãos que igualmente concordem em melhorar a sua própria vida no ardente desejo de andar pelos caminhos de Deus e de fazer esforços para inspirar os outros nesse mesmo ideal de aperfeiçoamento da sociedade[109].
Conclusão: a Misericórdia Divina acima de tudo
Na oração final do seu Diário Espiritual, o beato Jorge Matulaitis-Matulewicz exprime a intensidade da sua confiança na Divina Misericórdia, implorando o perdão numa profunda convicção de que o Amor de Deus é mais forte do que todas as fraquezas humanas e mais poderosos do que todo o mal: “Senhor, não julgueis o vosso servo, mas tende piedade de mim, concedei-me o perdão. Olhai para o meu coração contrito e perdoai todas as minhas culpas, todas as ações imprudentes, toda a palavra pronunciada sem refletir”[110]. Ele acreditava que o poder do Amor Misericordioso de Deus era simultaneamente fonte de perdão e causa de renovação espiritual: “Senhor Deus, tende piedade de mim, tende piedade de mim pecador, segundo a Vossa grande misericórdia. Não desprezeis um coração humilhado e arrependido, ó Senhor! Renovai em meu interior um espírito reto”[111]. Convencido da superabundância da graça sobre a abundância do pecado, o beato Jorge ensinava os outros a colocar toda a sua esperança na Divina Misericórdia, como o comprovam estas palavras que escreveu à Irmã Wanda Jeute: “Quanto aos pecados da vida passada, fica em paz, confia na infinita misericórdia Divina…”[112]; e também: “Colocai a vossa confiança na bondade e na misericórdia de Deus; devagar chegareis a tudo”[113].
Efetivamente, quem faz a experiência do amor misericordioso de Deus torna-se indulgente para com o próximo: “Se vemos nos outros defeitos e imperfeições, não atiremos pedras, mas sejamos indulgentes e recomendemos os errantes à Divina Misericórdia, mas também evitemos diligentemente esses defeitos em nós mesmos…”[114]. Aliás, a motivação para perdoar as ofensas dos outros surge da própria consciência de pecado e de imperfeição, que nos ajuda a ser mais compreensivos com os outros, cumprindo assim o mandamento do amor de Cristo[115]. Na lucidez espiritual do beato Jorge, a indulgência deve triunfar sempre sobre a intransigência, pois “diante de Deus é melhor responder pelo excesso de misericórdia do que pelo excesso de severidade”[116]. De igual modo, diante dos conflitos é preciso mostrar mansidão e humildade, fazendo triunfar a concórdia e o amor[117], cultivando os mesmos sentimentos de Jesus Misericordioso[118], colocando a caridade acima de tudo[119].
Em suma, podemos concluir que o protagonismo da Misericórdia de Deus não só conferiu uma tónica proexistencial à espiritualidade do Renovador dos Marianos, mas também desempenhou um papel preeminente na sua vitalidade pastoral. Portanto, não é de admirar que o Apostolado da Divina Misericórdia se tenha vindo a tornar quase providencialmente num dos elementos mais marcantes e distintivos do carisma e da missão dos Marianos da Imaculada Conceição. Seguindo os passos do nosso Renovador, no espírito da nossa vocação mariana, procuramos em primeiro lugar exercer o apostolado do exemplo, mediante uma fé viva, uma ardente caridade e uma piedosa prática das obras de misericórdia[120]; e pelos nossos trabalhos apostólicos não esperamos outra recompensa senão Jesus Cristo, “que pela divina misericórdia será para nós uma mercê excessivamente grande por toda a eternidade”[121].
[1] Por força do decreto do Czar Alexandre II de 27 de fevereiro de 1864 que promulgava a extinção das ordens religiosas católicas no Império Russo, os Padres Marianos foram todos encarcerados no Convento de Marijampole, sendo condenados à gradual extinção, visto que era proibido aceitar novos membros. No ano do nascimento do Beato Jorge, em 1871, viviam apenas 15 religiosos no Convento de Marijampole, os quais se dedicavam sobretudo à pastoral paroquial e à educação religiosa da juventude.
[2] O Beato Jorge cultivou durante toda a sua vida um sentimento de enorme gratidão para com o seu primo João Matulewicz (†1914), tendo plena consciência da grande obra de misericórdia que este praticou para com ele, acolhendo-o em sua casa e sustentando-o economicamente, proporcionando-lhe uma boa educação e o ingresso no Seminário Maior. Numa tentativa de demonstração de agradecimento, dedicou a sua dissertação de doutoramento ao seu “caríssimo primo, gracioso tutor qual segundo pai”. Cf. Tadeusz GÓRSKI, MIC, Błogosławiony Jerzy Matulewicz, Varsóvia 2005, p. 21.
[3] O Dr. Gustave Clément (1868-1940) foi um famoso cirurgião suíço, formado em bacteriologia, que frequentou o renomado Instituto Pasteur de Paris (1896-1897). Entre 1897 e 1899, foi chefe da clínica cirúrgica do professor César Roux em Lausanne. Tendo obtido o doutoramento em medicina, no ano de 1900, abriu a sua própria clínica privada em Friburgo. Desde 1915, foi deputado do partido católico conservador no Parlamento do Cantão de Friburgo. Foi um católico convicto e comprometido, tendo publicado, em 1917, um livro de reflexões do ponto de vista de um médico sobre as doutrinas e os costumes da Igreja Católica, intitulado Pour les mieux connaître («Para os conhecer melhor»). Em 1938, foi condecorado como Comandante da Ordem de São Gregório Magno. Cf. Marianne ROLLE, Clément, Gustave, in: Dictionnaire historique de la Suisse, versão de 21 de janeiro de 2004. Online: https://hls-dhs-dss.ch/fr/articles/009668/2004-01-21/, consultado a 8 de março de 2021.
[4] A operação foi muito minuciosa e exigiu uma convalescença de vários meses, sob cuidados médicos continuados. Cf. Tadeusz GÓRSKI, MIC, Błogosławiony Jerzy Matulewicz, Varsóvia 2005, p. 38.
[5] Estas duas matérias ser-lhe-ão particularmente úteis quando, mais tarde, tiver de ocupar-se da Reforma da Ordem dos Marianos da Imaculada Conceição.
[6] Cecília Plater-Zyberk (1853-1920) foi uma ativista social de origem aristocrática, pedagoga e educadora, publicista, fundadora de diversas escolas e associações caritativas. Em 1880, ingressou na Congregação clandestina das Servas Mensageiras do Sagrado Coração de Jesus, colocando toda a sua vida ao serviço da educação religiosa e moral da juventude da Polónia. Em 1883, inaugurou em Varsóvia uma escola profissional para meninas e em 1891 comprou uma fazenda nos arredores de Varsóvia para abrir uma escola agrária feminina. No intuito de divulgar o pensamento católico no meio das mulheres instruídas, fundou, em 1904, a União Católica das Mulheres Polacas. Em colaboração com o padre Jorge Matulewicz, em 1905, fundou a Associação dos Amigos da Juventude, responsável pela organização de encontros de formação ética para jovens rapazes. Estes movimentos juvenis de catolicismo aberto estiveram na base da Associação Católica da Juventude Académica que surgiu em 1919 com a finalidade de contribuir para formar a consciência católica dos jovens universitários. Cf. Tadeusz GÓRSKI, MIC, Plater Zyberk, Cecylia in: Polski Słownik Biograficzny, versão de 1981. Online: https://www.ipsb.nina.gov.pl/a/biografia/cecylia-plater-zyberk, consultado a 8 de março de 2021.
[7] A Congregação das Servas Mensageiras do Sagrado Coração de Jesus foi fundada em 1874, por iniciativa do frade capuchinho Honorato Koźmiński (1829-1916) com a ajuda de Josefa Chudzyńska (1838-1914). Estas “irmãs escondidas” dedicavam-se ao ensino e à educação, trabalhando como professoras e pedagogas e vivendo clandestinamente a sua consagração religiosa no meio do mundo sem hábito religioso próprio e sem sinais exteriores distintivos das outras mulheres solteiras. Entre 1874 e 1896, por meio do confessionário e da correspondência epistolar, o frei Honorato Koźmiński fundou mais de vinte institutos femininos de vida consagrada clandestina no intuito de contornar o decreto czarista que proibia o ingresso na vida religiosa. Por este motivo, é considerado precursor da forma de consagração dos institutos seculares (aprovada pela Igreja Católica somente no ano de 1947).
[8] Carta ao Pe. Francisco Bučys, MIC, 26 X 1924, nº 157, in: Listy litewskie, Licheń 2015, p. 226.
[9] Cf. Tadeusz GÓRSKI, MIC, Błogosławiony Jerzy Matulewicz, Varsóvia 2005, pp. 87-88.
[10] O dia 29 de agosto de 1909 foi considerado como o dia da ressurreição dos Marianos, porque foi nesse dia que a Congregação foi insuflada pelo Espírito Santo de um novo vigor, que a fez ressurgir de novo, quando tudo parecia indicar que houvera chegado o seu fim. Cf. Steponas MATULIS, MIC, Marianie za Błogosławionego Jerzego Matulaitisa-Matulewicza, Varsóvia-Lublin 2008, pp. 116-117.
[11] Cf. Jan ROKOSZ, MIC, Carta circular do Superior Geral no encerramento do ano de ação de graças pela beatificação do Padre Fundador e na inauguração do Ano Jubilar do 100º aniversário do renascimento e da reforma da Congregação (8 de dezembro de 2008), nr. 6.
[12] João Carlos RODRIGUES, MIC, Centenário da Renovação dos Marianos, uma experiência de Misericórdia e uma confirmação do Espírito Santo, in: Ciência e fé: encontros e desencontros, Actas das XII Jornadas Culturais de Balsamão, coord. Basileu Pires, MIC, Balsamão 2010, p. 203.
[13] Desde o início da Renovação, o padre Jorge Matulaitis-Matulewicz nutria a esperança de que os Padres Marianos saberiam abandonar o seu próprio país e sua nação e acorrer ao trabalho para outros países, especialmente para as extensões da Rússia e da Sibéria, “onde tantas almas vagueiam sem guias” e para a América, “com a sua vida febril e ruidosa”. Cf. Diário Espiritual, nº 51 (23 de janeiro de 1911), in: Enamorado da Igreja, Fátima 1987, pp. 123-124 (A seguir Diário Espiritual).
[14] Elżbieta MATULEWICZ, Miłosierdzie Boże w życiu i nauczaniu bł. Jerzego Matulewicza MIC, in: Tajemnica Bożego Miłosierdzia w charyzmacie mariańskim, J. Kumala, MIC (red.), Licheń 2004, p. 323.
[15] Homilia de ingresso na catedral de Vilnius, 8 XII 1918, in: Pisma wybrane, Jan Bukowicz, MIC Tadeusz Górski, MIC (red.), Varsóvia 1988, pp. 199-201. (A seguir Pisma wybrane).
[16] No final da primeira guerra mundial, após a retirada das tropas alemãs, a República da Lituânia, proclamada a 2 de novembro de 1918, decretou Vilnius como sua capital. No início de 1919, o Exército Vermelho da Rússia Soviética invadiu a cidade de Vilnius no intuito de fundar uma República Socialista Soviética Lituano-Bielorrusa. Em abril desse mesmo ano, o Exército Polaco libertou a cidade do domínio soviético, mas agravou o conflito nacionalista entre os católicos lituanos, polacos e bielorrusos.
[17] A este respeito, refira-se a título de curiosidade que o padre Michał Sopoćko (1888-1975), sacerdote da diocese de Vilnius que trabalhava em Varsóvia como capelão militar desde 1918, foi chamado de volta para Vilnius, no ano de 1924, pelo bispo Jorge Matulaitis, que o incumbiu de desenvolver o apostolado da juventude. Graças a esta decisão, no ano de 1933, a Irmã Faustina Kowalska pôde encontrar em Vilnius um arguto diretor espiritual que colaborou intimamente com ela para a divulgação da devoção à Divina Misericórdia, de acordo com as suas revelações particulares.
[18] Dziennik biskupi, 24 IV 1919, in: Dzienniki, Licheń 2009, p. 217.
[19] Após a anexação de Vilnius à República da Polónia, a partir de 1922, a missão pastoral do bispo Jorge Matulaitis-Matulewicz tornou-se insustentável por causa do ultranacionalismo de numerosos políticos polacos que pura e simplesmente não suportavam a situação de terem um bispo de origem lituana. Cf. Tadeusz GÓRSKI, MIC, Błogosławiony Jerzy Matulewicz, Varsóvia 2005, pp. 439-444.
[20] “Sempre senti, estive e estou santamente convencido de que a minha vocação mais importante é servir a Congregação dos Marianos, dedicar-lhe todas as minhas forças na sua adequada organização. Considerei e considero isso como a voz de Deus e tenho quase certeza disso”. Carta a Francisco Bučys, 3 XII 1925, in: Pisma wybrane, p. 152.
[21] Após a ocupação polaca da região de Vilnius, o governo da República da Lituânia foi obrigado a deslocar-se para Kaunas, porém considerando Vilnius como sua legítima capital.
[22] Cf. Tadeusz GÓRSKI, MIC, Błogosławiony Jerzy Matulewicz, Varsóvia 2005, pp. 494-495.
[23] “O novo Beato é, de modo especial, um esplêndido modelo de bispo, que tentou heroicamente ser ‘tudo para todos’, profundamente consciente da sua missão pastoral, verdadeiro apóstolo da unidade, inteiramente dedicado ao anúncio do Evangelho e à obra de santificação das almas”. Homilia do papa João Paulo II na celebração do VI centenário do Batismo da nação Lituana e da Beatificação do Arcebispo de Vilnius Jorge Matulaitis-Matulewicz, 28 VI 1987, online: https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/it/homilies/1987/documents/hf_jp-ii_hom_19870628_battesimo-lituania.html, (8 de março de 2021).
[24] Diário Espiritual, nº 1.
[25] Instructiones Marianorum, I, 1, Roma 1959, p. 12.
[26] Diário Espiritual, nº 104. Cf. também Ibidem, nº 41: “Senhor eu Vos amo! Concedei que eu Vos ame e nunca deixe de amar. O meu coração está inflamado”.
[27] Carta a Wanda Jeute, 18 IX 1913, nº 181, in: Listy polskie, Licheń 2012, p. 254.
[28] Cf. Sobre o fim do ser humano, in: Konferencje Ascetyczne, Varsóvia 2002, p. 40.
[29] Cf. Ibidem, p. 48.
[30] Cf. Diário Espiritual, nº 1.
[31] Cf. Ibidem, nº 60.
[32] Ibidem, nº 31.
[33] Cf. Janusz KUMALA, MIC, Pro Christo. Cristo na vida espiritual do beato Jorge Matulaitis-Matulewicz, in: Por Cristo e pela Igreja. Mensagem do Fundador e do Renovador, J. Kumala, MIC (red.), Licheń 2009, p. 34. (A seguir Pro Christo).
[34] Diário Espiritual, nº 32.
[35] Cf. Ibidem, nº 72.
[36] Ibidem, nº 104.
[37] Ibidem, nº 87.
[38] Cf. Ibidem, nº 31.
[39] Cf. Ibidem, nº 2.
[40] Ibidem, nº 80.
[41] Carta ao Pe Francisco Bučys, MIC, 31 III 1924, nº 148, in: Listy litewskie, Licheń 2015, p. 211.
[42] Diário Espiritual, nº 44.
[43] Cf. Ibidem, nº 23.
[44] “Atrairemos outros para Deus e para a verdade unicamente pela nossa própria convicção profunda, pela fé firme, pelo amor, pelo coração ardente, e não pela disputa, pelos ataques, pelos ultrajes e ofensas. Procuremos principalmente não esquecer nas discussões por qual espírito e de que espírito temos de nos guiar. Não será pelo espírito de Cristo?” Ibidem, nº 59.
[45] “Portanto o amor a Cristo e o amor a exemplo de Cristo traduz tanto a profundeza da vida espiritual do beato Jorge como o ardor do seu apostolado”. Pro Christo, p. 42.
[46] Diário Espiritual, nº 76.
[47] Ibidem, nº 41.
[48] Ibidem, nº 87.
[49] Ibidem, nº 2.
[50] Ibidem, nº 24.
[51] Cf. Ibidem, nº 95.
[52] Cf. Ibidem, nº 78.
[53] Cf. Ibidem, nº 24.
[54] Instructiones Marianorum I, 22, Roma 1959, p. 24.
[55] Carta ao Pe. João Totoraitis, MIC, 8 I 1913, nº 515, in: Listy litewskie, Licheń 2015, p. 771.
[56] Diário Espiritual, nº 43.
[57] Cf. Basileu PIRES, MIC, Notas características do Carisma dos Marianos no Fundador, no Frei Casimiro e no Beato Jorge, (caderno dactilografado), Balsamão, pp. 22-24.
[58] Diário Espiritual, nº 73.
[59] Ibidem, nº 45.
[60] Ibidem, nº 20. Cf. também Ibidem, nº 21.
[61] Cf. Ibidem, nº 24.
[62] Cf. Basileu PIRES, MIC, Notas características do Carisma dos Marianos no Fundador, no Frei Casimiro e no Beato Jorge, (caderno dactilografado), Balsamão, pp. 18-22.
[63] Ibidem, nº 18.
[64] Ibidem, nº 22.
[65] Ibidem, nº 31.
[66] Ibidem, nº 41.
[67] Ibidem, nº 51.
[68] Ibidem, nº 77.
[69] Ibidem, nº 81.
[70] “O homem não deve ter receio de morrer e mergulhar em Deus. Quando realmente morrer para si e para o mundo, somente então reviverá e renascerá em Deus e produzirá muitos frutos”. Ibidem, nº 32.
[71] Ibidem, nº 41. Note-se que a imagem do “esfregão sujo e usado” empregada por Jorge Matulaitis-Matulewicz (1871-1927) no seu Diário Espiritual é deveras semelhante à imagem do “trapo sujo que se pisa aos pés” utilizada pela mística visitandina Benigna Consolata Ferrero (1885-1916) e evocada por Faustina Kowalska (1905-1938) como “tapete que se pisa e em que se limpam os pés”. Cf. Faustina KOWALSKA, Diário, A Misericórdia Divina na minha alma, Fátima 20164, nº 243, p. 90 em referência ao paralelo com Benigna Consolata na nota 118B, p. 516.
[72] Cf. Pro Christo, p. 52-53.
[73] “Tenho trabalhado e estou trabalhando aqui pesado, tive e tenho muitas dificuldades. No entanto, sem dar atenção a isso, entreguei-me a Cristo, que trilhou o caminho do trabalho, das dificuldades e das cruzes, e tenho a intenção de seguir os Seus passos enquanto puder, enquanto tiver forças”. Carta a João Matulaitis, 2 III 1913, nº 372, in: Listy litewskie, Licheń 2015, p. 526.
[74] Diário Espiritual, nº 79.
[75] Ibidem, nº 68.
[76] Cf. Ibidem, nº 81. Cf. também Ibidem, nº 103: “Graças Vos dou, Virgem Santíssima! Tantas vezes me defendestes, amparastes… não deixeis nunca de nos defender e proteger”.
[77] “Podemos examinar-nos a nós mesmos considerando como é que suportamos as cruzes cotidianas. […]. Será que nos agarramos a Cristo carregando a cruz? Será que colocamos os nossos dissabores aos pés de Cristo? Será que tentamos, junto com a Mãe de Deus, permanecer corajosamente debaixo da cruz?” Idem, Sobre os sinais de progresso na perfeição, in: Konferencje Ascetyczne, p. 120.
[78] Cf. Diário Espiritual, nº 42.
[79] Ibidem, nº 104.
[80] Ibidem, nº 3.
[81] “O Senhor Jesus, vivendo na terra, teve um coração terno, sacrificando a sua vida por nós”. Idem, Sobre o amor ao próximo, in: Konferencje ascetyczne, p. 155.
[82] Idem, Conquista da santidade, in: Ibidem, pp. 198-199.
[83] Instructiones Marianorum, I, 19, Roma 1959, pp. 21-22.
[84] Constituições da Congregação dos Padres Marianos da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria, II, nº 32, Roma 2020, p. 83.
[85] Carta ao Pe. Francisco Bučys, MIC, 13 III 1914, nº 101, in: Listy Litewskie, Licheń 2015, p. 141.
[86] Carta a Wanda Jeute, 4 XI 1921, nº 227, in: Listy Polskie, Licheń 2012, p. 289.
[87] Carta ao Pe. Casimiro Bronikowski, MIC, 11 XI 1923, nº 43, in: Ibidem, pp. 69-70.
[88] Dziennik biskupi, 6 VIII 1925, in: Dzienniki, Licheń 2009, p. 276.
[89] Elżbieta MATULEWICZ, Miłosierdzie Boże w życiu i nauczaniu bł. Jerzego Matulewicza MIC, in:, Tajemnica Bożego Miłosierdzia w charyzmacie mariańskim, J. Kumala, MIC (red.), Licheń 2004, p. 313.
[90] Jorge MATULEWICZ, Sobre o amor ao próximo, in: Konferencje ascetyczne, p. 155.
[91] “O amor de Deus gera o amor ao próximo, não o amor mau, sensual, mas o amor oblativo, sacrificial pelo bem dos outros” Idem, Conquista da santidade, in: Ibidem, p. 198.
[92] Cf. Diário Espiritual, nº 25.
[93] Ibidem, nº 22.
[94] Ibidem.
[95] Cf. Ibidem, nº 52.
[96] Ibidem, nº 77
[97] Ibidem, nº 51.
[98] Ibidem, nº 70.
[99] Ibidem, nº 45.
[100] Cf. Ibidem, nº 22.
[101] Ibidem, nº 20.
[102] Ibidem.
[103] Cf. Ibidem, nº 43.
[104] Ibidem, nº 51.
[105] Cf. Ibidem, nº 50.
[106] Ibidem, nº 18.
[107] Ibidem, nº 33.
[108] “É preciso sempre preocupar-se antes de tudo com o aperfeiçoiamento interior do homem, para que viva segundo o coração de Deus, para que possa ser para os outros fonte de renovação espiritual”. Ibidem, nº 30.
[109] “Essa maneira de iniciar a obra da renovação será com certeza a mais eficaz, não apenas na vida religiosa, mas também em outras esferas da sociedade humana”. Ibidem, nº 34.
[110] Ibidem, nº 104.
[111] Ibidem, nº 100.
[112] Carta a Wanda Jeute, 18 IX 1913, nº 203, in: Listy polskie, Licheń 2012, p. 274.
[113] Carta a Wanda Jeute, 9 XI 1925, nº 255, in: Ibidem, p. 308.
[114] Idem, Sobre o amor fraternal, in: Konferencje ascetyczne, p. 34.
[115] “Só Deus é absoluta e infinitamente bom, e nós somos imperfeitos. Quem de entre nós pensar que não tem pecado, não está na verdade. Por isso, a Sagrada Escritura recomenda que carreguemos os fardos uns dos outros, cumprindo assim o mandamento do amor de Cristo, para que possamos dizer várias vezes ao dia: «perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido», para que nos perdoemos realmente de coração”. Carta ao Pe. Eugénio Kulesza, MIC, 23 I 1925, nº 297, in: Listy polskie, Licheń 2012, p. 363.
[116] Carta ao Pe. Mariano Wiśniewski, MIC, 27 XI 1924, nº 493, in: Listy polskie, Licheń 2012, p. 598.
[117] “Colocai o amor e a concórdia acima de tudo”. Carta ao Pe. José Vaitkievičius, MIC, 31 I 1924, nº 560, in: Listy Litewskie, Licheń 2015, p. 826.
[118] “Descreve para ti mesmo em teu coração os Seus [de Jesus Cristo] comportamentos e ações: quão humilde era entre os homens, quão benigno entre os discípulos, quão moderado na comida e na bebida, quão misericordioso para com os pobres, de quem se fez em tudo semelhante, e a quem considerava especialmente como sua família – assim como não desprezava nem repugnava ninguém, nem sequer um leproso, assim também não bajulava os ricos; quão livre foi das preocupações do mundo e das necessidades corporais, quão modesto no olhar, quão paciente nas injúrias, quão manso nas respostas…” Instructiones Marianorum, I, 11, Roma 1959, p. 16.
[119] O Beato Jorge Matulaitis-Matulewicz, MIC, procurava em todas as circunstâncias pôr em prática a máxima moral Caritas super omnia, considerando-a como um verdadeiro princípio orientador da sua vida espiritual e da sua missão pastoral. Por exemplo, veja-se a sua aplicação concreta no âmbito de uma conversa com o padre jesuíta Sérgio Grum, durante a sua estadia em Roma, em novembro de 1911, a propósito da necessidade de praticar a caridade acima de tudo, encorajando-o a visitar os pais idosos e doentes. Cf. Diário da viagem de Friburgo a Roma, 24 XI 1911, in: Dzienniki, Licheń 2009, p. 124.
[120] Cf. Constituições da Congregação dos Padres Marianos da Imaculada Conceição da Santíssima Virgem Maria, II, nº 125, Roma 2020, p. 112.
[121] Instructiones Marianorum, I, 20, Roma 1959, p. 22.